sábado, 26 de fevereiro de 2011

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Ensaio sobre os limites da liberdade de ensino

Autor: Luiz Otávio Amaral [1]
lamaral@conectanet.com.br
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Limites da liberdade de ensino
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Toda aprendizagem genuína é ativa e não passiva. E ensinar do melhor modo é apenas um auxilio à aprendizagem. Tanto quanto possível, a passividade deve ser desencorajada e superada, formamos com aqueles que não admitem a omissão no dever de denunciar os vícios e desmandos da vida pública de nosso país [2]. A educação é obra da liberdade, sendo seu objetivo, por certo, despertar, desenvolver o senso crítico (que é a aptidão intelectual para bem refletir, lógica e valorativamente, a historia, a realidade e as ideologias e inclui, é claro, a autocrítica) e a criatividade que impulsionam ou pelo menos preservam o progresso da humanidade. A educação plena, que se dá através do processo de informação e formação, jamais se encerra num movimento de fora para dentro que é aliena o educando de sua dimensão transcendental. Bem por isso é que educar provém da raiz latina educare que significa conduzir para fora. O processo educativo (ensino/aprendizagem), assim, se dá sempre pelo exercício da liberdade didática guiado por valores perenes da humanidade e do grupo. Com efeito, os valores e princípios são faróis que alumiam e dão certeza do porto seguro a quem tem de navegar no mar escuro da ignorância e, ainda que acidentes venham a ocorrer, o mestre navegador (o professor) estará com seu espírito tranqüilizado.
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Bem a propósito, a nossa Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em diversas passagens exalta uma clara axiologia educacional, por exemplo, no seu artigo 27 fixa parâmetros valorativos para educação nacional, dentre os quais merece destaque “a difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem democrática”. Também no art. 32, salta aos olhos aquele farol axiológico a que me reportei: a compreensão natural e social do sistema político e dos valores em que se fundam a sociedade, a formação de atitudes e os valores em se assenta a vida social. Se não fosse uma compreensível prudência, dada a decisiva importância de todos bem entenderem e praticarem no dia a dia das salas de aulas, diríamos até desnecessária toda essa preocupação da lei com os valores e princípios-guias no processo educativo, uma vez que isso é (ou deveria ser) do consenso geral, notadamente no mundo do ensino.
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Todo professor só adquire direito à liberdade de ensino quando bem compreende o que isso representa em termos de responsabilidade atual e concreta, futura e ideal. À liberdade do professor corresponde, como contrapartida necessária, a liberdade do aluno de não ser manipulado ou conduzido em direção sem que isso represente uma atitude verdadeiramente consciente e madura. Até porque qual o mestre que pode garantir que seu ensino seja derradeiro, um fim em si mesmo? Ora, a educação é processo infindo, do qual o ensino é apenas a menor, mas essencial, parte. O Bom ensino é um excelente estágio preparatório para o restante da educação, é o bom ensino que cria o hábito saudável de apreender continuamente em que se traduz a interminável, a infinita a educação.
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Não há ensino que não possa ser superado, salvo o ensino daqueles valores e princípios fundamentais que ancoram a vida humana (logo, a vida social também) e que por isso são eternos (p. ex.: vidas, vida humana, liberdade...). Diria mesmo que o processo educacional só se completa (o que não significa seu fim) quando o educando está apto a se converter em educador. E o educador que já não se mantém em constante processo educativo já não é mais um educador, senão apenas na titulação formal.
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Em todas as profissões a eticidade se faz fundamental - aliás, profissão sem Ética é a negação de si própria - contudo há profissões em que a Ética constitui mais que isso, é essencial (substancia que faz algo ser o que é) para esse exercício. Assim, o professor, o advogado, o juiz, o policial. E por que o professor há de ser ético no atuar profissional? Porque ele é a alma da escola e essa é quem transforma o homem comum em cidadão, antes mesmo de surgir o profissional e isso garantirá o futuro nacional e da humanidade.
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Por outro lado, o Estado pode e deve restringir a liberdade de ensino na medida em que isso consulte o interesse geral. E assim essa liberdade uma liberdade condicional. Aliás, todas as liberdades são relativas. Com efeito, a coerção está de acordo com a liberdade porque ela é o obstáculo legítimo àquele que vai contra liberdade: é justa a faculdade de coagir aquele que é injusto, ensinou Kant. A liberdade de cada um está limitada pela liberdade de todos. È que a liberdade absoluta é antônima da própria liberdade! Só no estado teórico - e portanto, abstrato - de uma absoluta solidão natural/selvagem pode vicejar uma teoria da liberdade absoluta.
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Sucede que toda condição humana implica condições e limitações da liberdade. Assim, as regras, os controles, as vedações e proibições são, quando necessárias e bem guiadas por altos interesses, garantias da própria liberdade que é dom universal do homem. Platão (in Rep. VIII/563) foi o primeiro a perceber que a liberdade devora a liberdade, notadamente nos regimes democráticos em que ás vezes deriva em tiranias e escravidão (foi a “liberdade” de escravizar que gerou essa mancha feia para toda a humanidade e não há ações afirmativas suficientes para apagá-la). Mas hoje já não se pode incidir nesse grave erro lógico de “achar” possível a liberdade de se impor aos demais nossos valores, credos e ideologias e pior, nossos desvalores, nossos negativismos. E essa absoluta falta de ética é, sem dúvida, mais preocupante quando provém de um profissional cuja neutralidade é sua própria razão de ser, o professor e as autoridades da Educação.
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Ensinar é ato, magno e mágico, de fazer aprender e isso é quanto mais viabilizado quanto maior for a aptidão do professor de envolver o aluno com a lição, com a aula, porém sem jamais resvalar para o pecado capital do professor que é conduzir a consciência do aluno. Aula boa é aula rica em opções de todos os matizes possíveis tudo bem servido com liberdade de ensino e de aprendizagem. O educando, como se pode ver, é detentor do inalienável direito de ser bem informado acerca de todas as idéias e de todos os ensinos, notadamente aqueles universais, livre das preferências e inclinações do professor, que tanto quanto possível, dever ser um ponto neutro nesse trânsito das de idéias e ideologias. A boa formação é uma questão de tomada de consciência, refletida e madura do educando, o que pressupõe a liberdade de aprender.
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O homem tem necessidade de um mestre, mas nenhum mestre pode levar outrem a uma existência propriamente humana se esse outrem não integrar a ação do mestre (que é ética e rica, logo exemplar) e não se converter, afinal, a si próprio em mestre. Os professores que não compreendem essa verdade fundamental desvirtuam a educação e pior, violentam as mentes sob seus cuidados.
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A pregação em sala de aula é suma deturpação do ato de ensinar. O niilismo, o anarquismo, o pessimismo, o negativismo, enfim o desânimo, é a antítese da educação: de que valerá ser educado para um mundo inviável, sem irremediavelmente condenado ao pior? Isso é deseducar! Querendo ser crítico, pretendendo fugir da passividade, visando uma educação mobilizadora, (pró-ativa, como se diz hoje), reformadora do mundo circundante, alguns professores transbordam para a negação de seu próprio discurso educativo. De certo que a vida não questionada não merece ser vivida. Contudo não reconhecer absolutamente nenhum valor é negar a diferença entre nós e outras partículas que rolam no espaço. Certa vez Aristóteles perguntou o que é um Estado? E ele mesmo se antecipa, prevenindo hesitações e desvirtuamentos e ensina que o Estado eram os cidadãos e arremata explicando que esses são os que “têm direito de participar da administração deliberativa ou jurídica de um Estado”. E quem prepara esse cidadão? È a escola, conjunto meios civilizatórios que vai do professor ao livro/texto didático.
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A “virtude cívica (arete política) que é o fundamento do Estado” consiste na função essencial da escola, que deve “conciliar o amor pelo eu subjetivo (antítese do eu comunitário) com a totalidade do mundo circundante. O culto da alma individualizada com a consciência viva da comunidade, da cidade/estado, com a virtude cívica genérica de cada eu.” (cf. nossa Paideia [3]). Nem o conformismo em que o indivíduo cessa de ser ele mesmo e adota como seu aquilo que os outros esperam que ele seja; nem tampouco, a destrutividade do mundo exterior - que provém da angústia do indivíduo derivada da frustração em relação à vida como um todo; nem mesmo o desânimo - que significa perda da alma (anima), da essência do homem, ou seja, a descrença de que entre nós possa se instalar algum tipo verdadeiro de bem ou virtude - no processo educativo, nada, enfim, pode afastar o valor da virtude (no sentido helênico) na prática educativa em geral. Em suma, o tendenciosismo, qualquer pregação ou propaganda ferem fundo a ética do ensino e, repita-se, isso constitui a negação total da razão de ser da própria educação.
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É importante nesse mundo confuso porque atordoado por tantas e variadas teorias e “verdades” cientificas e numa velocidade que, no mais das vezes, não nos permite sequer digeri-las, que mestres e meios didáticos (livros e textos de aula, filmes...) mantenham firme o compromisso com aqueles valores-fundantes em geral e em particular o da ética na prática diária do ensino.
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[1] Luiz Otavio de Oliveira Amaral é advogado militante e professor do Curso de Direito da Universidade Católica de Brasília-UCB. Já lecionou na Fac. de Direito/UnB e da UDF. Ex-Diretor de Faculdade de Direito em Brasília. Foi assessor de Ministros de Estado da Justiça e da Desburocratização/Presidência da República. Foi consultor jurídico de projetos da ONU/PNUD. Autor de “Relações de Consumo” (4 vol.), MJ/1982; “Legislação do Advogado”, MJ/1985; “O Cidadão e Consumidor”, MJ/1984 (em co-autoria), “Comentários ao Código de Defesa do Consumidor”, Ed. Forense, RJ, 1992 (vários autores). È autor ainda de “Lutando pelo Direito”, Ed. Consulex, Brasília, Ag./2002; “Direito e Segurança Pública - juridicidade operacional da Polícia”, Ed. Consulex, Ag/2003 e “Teoria Geral do Direito”, Ed. Forense (1ª e 2ª ed, 2004 e 2006) e Ed. Saraiva, 3ª ed, 2010; Teoria Geral do Direito do Consumidor”, Ed. RT, SP, 2010. Possui várias monografias e ensaios publicados aqui e no exterior. Site: http://www.ensinandodireitoluizamaral.com/
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[2] Vide nossos ensaios “Não temos povo” in C. Braziliense de 19/07/88; “Endemia nacional: corrupção generalizada”, Rev Consulex 33, 30/09/99; Depoimento à CPI do Judiciário no Senado Federal, em 20/05/99, dentre outros textos-denúncia, todos publicados.
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[3] “Paideia - a educação para a virtude - um projeto urgente para o Brasil”, que publicamos em várias revistas e sites (cf. Rev. Consulex n° 44, 31/08/00).

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011