terça-feira, 23 de março de 2010

2 histórias e uma estorinha

1ª História:
Outro dia recebi um e-mail sobre uma professora que fora roubada no estacionamento Norte do Minhocão. Os ladrões (2 homens) levaram o carro (com computador, datashow próprio, livros importados, materiais que havia utilizado no primeiro dia de aula) e a bolsa (com documentos, chaves, celular, cartões de crédito etc.). Desesperada, retornou ao departamento, de onde a chefia tentou acionar a segurança do campus pelo telefone. Do outro lado da linha, os responsáveis por nossa integridade física, limitaram-se a anotar os dados do veículo, indicando que nada mais poderiam fazer, devendo a vítima (sem documentos e sem carro!) ir até uma delegacia prestar queixa.
Quando eu era aluno de graduação passei por uma situação similar, bem menos grave: tive meu carro furtado e só percebi quando deparei-me com a vaga vazia no estacionamento. A segurança da USP assim que foi contactada, pelo vigia do prédio, compareceu imediatamente e tomou as seguintes medidas:
  • disparou um alarme via rádio para as demais viaturas da USP com os dados do carro;
  • avisou também os seguranças dos portões de acesso do campus;
  • avisou a polícia militar;
  • acolheu-me em uma viatura e prontificou-se a me transportar até a delegacia de polícia do Butantã.
O carro nunca foi encontrado e o sentimento de impotência frente ao crime permaneceu forte, porém me senti amparado pela instituição que fez, com dignidade, o que estava ao seu alcance.

Moral da história: diz-me como tratas teus docentes e a sociedade te dirá o quanto te respeita.

2ª história:
Semana passada, minha esposa, que rompeu os ligamento do pé e se locomovia com muletas, e eu fomos conversar com a coordenação pedagógica do colégio onde nosso filho estuda. Lá chegando, lembramo-nos que a sala da coordenação fica no 2º andar, com 5 lances de escada. Ao se preparar para iniciar a árdua "escalada" um socorrista nos abordou e se prontificou ajudar na liberação de um elevador apenas usado para casos assim. Ah, sim: o colégio é ligado a uma universidade particular de Brasília. O paralelo com a UnB foi imediato. No departamento no qual damos aula há um lance de escada para descer ao térreo e uma íngreme escada em caracol, que dá acesso às salas de aula. Durante a primeira semana de aula, antes da greve, ela conseguiu lecionar no auditório, no térreo, tendo "somente" que subir e descer um lance de escadas. Ah, claro: o prédio não tem elevador e a UnB não tem socorristas e todo o deslocamento dela teve que ser feito com ajuda de voluntários de ocasião. A UnB divulgou recente nota aos moradores da Colina desautorizando os porteiros de auxiliarem moradores presos em elevadores. Outro dia uma moradora de meu prédio passou a noite enclausurada, porque o socorro só pode ser prestado, pela empresa vencedora da licitação ou por quem tem treinamento para tanto. Será que pelo porte da UnB não seria obrigatório manter de prontidão uma equipe de socorristas. Aliás, e a CIPA? Alguém sabe? Alguém viu?

Moral da história: como esperar respeito e consideração de quem sequer faz a prevenção?

Uma estorinha da Carrocinha:
Era uma vez, em um tempo distante, uma sociedade que valorizava aqueles que ensinavam e preparavam seus jovens para a vida profissional. Pouco a pouco essa valorização foi desaparecendo até que os que ensinavam, para sobreviver, recebiam algum salário ínfimo, que era complementado com feijões mágicos.
Haviam feijões diferentes,com vários nomes. Feijões para quem dava mais aulas, para quem era doutor, enfim feijõeszinhos de múltiplos sabores. Como eles funcionavam por algum tempo, foram aos poucos representando quase tudo o que esses profissionais recebiam. Ah, tinha um problema: não podiam ser guardados para depois que parassem de trabalhar e, vez ou outra, alguém dizia que tais feijões não tinham base legal para serem distribuídos para todos. Desde a última primavera os professores do reino da ilha da fantasia vêm sendo ameaçados de perderem um tipo específico de feijão, que representa mais de um quarto de sua dieta. Passaram o Natal sem os feijões plantados nos campos da Urp, que deveriam vir no 13º salário. Quando voltaram da férias de Janeiro, não receberam também tais feijões e tiveram que recorrer a agiotas para pagar dívidas, que fizeram, sem saber, ao gozar de merecido descanso. As notícias se espalharam até o palácio do reino da fantasia. A nobre corte e seus ministros decidiram que em um reino avançado como aquele as antigas superstições de feijões mágicos não podiam ter mais lugar na universidade e que todos deveriam se contentar com o novo padrão de pesquisa e produtividade, denominado de PqP. Assim, todos no reino viveram felizes e incultos para sempre porque não havia mais cérebros dispostos a formar ninguém.

Moral da estorinha: não há Reuni que resista às eleições com docentes recém contratados ganhando menos que aspone de almoxarifado.



Por hoje é só. Quem quiser mais fábulas do reino da ilha da fantasia clique aqui.

Acabou-se a história, quem quiser que conte outra (use o campo comentários)....


ADVERTÊNCIA: Não há relação nenhuma entre as histórias reais a a ficção da reino da ilha da fantasia. Qualquer tentativa de estabelecimento de relações entre assalto, falta de segurança, falta de respeito e perda de feijões mágicos não é autorizada pelo TCU

sábado, 6 de março de 2010

George Zarur no Supremo

Contra as Políticas do Ódio Racial
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por George de Cerqueira Leite Zarur, PhD

Texto lido no STF, dia 04/03/2010
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A etnicidade tem sido a causa dos maiores tragédias da humanidade e é com enorme apreensão que assisto à introdução de políticas raciais no Brasil. Tenho boas razões para ter dedicado minha vida ao estudo da etnicidade, pois consta que meus bisavós paternos, cristãos libaneses, teriam sido assassinados por soldados turcos em um pogrom contra sua pequena aldeia. Assim como meu avós, árabes cristãos e mulçumanos, judeus, ciganos, armênios e muitas outras vítimas do horror étnico se abrigaram no Brasil. Outros fugiam da servidão feudal, caso de muitos italianos, ou da extrema pobreza, como aconteceu com os portugueses. Aqui se casaram, se amorenaram e, na literatura, o turco Nassib conheceu sua Gabriela. Procuro interpretar o sentimento de todos os filhos, netos e bisnetos desses deserdados da terra, povos que ninguém queria, que em nosso País encontraram abrigo e paz. Tenho no pensamento, os pobres de todas as origens e cores de pele que cederão seus empregos e as oportunidades de educação de seus filhos a outros nem sempre tão pobres. Lembro, em especial, os sertanejos nordestinos.
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A lealdade aos índios com quem convivi é outro motivo para me preocupar com a política da raça. A antropologia ética tem sempre combatido o conceito de raça. Darcy Ribeiro escreveu, em 1957, o artigo “Línguas e Culturas Indígenas do Brasil” onde formula sua seminal definição de “índio”, até hoje presente na legislação. Para Ribeiro, “Índio” é um indivíduo reconhecido como participante de uma comunidade de origem pré-colombiana e considerado como tal pela sociedade envolvente. O núcleo da definição é a relação do indivíduo com uma dada comunidade. Ficam de fora, os milhões de descendentes de índios com fisionomia indígena e, uma vez participantes de uma comunidade de origem pré-colombiana, existirão índios descendentes de europeus, de negros ou mestiços. Desta forma, Ribeiro evitou a aparência ou a “raça”, a biologia popular, para definir um “índio.
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Do ponto de vista da definição de Darcy Ribeiro e da melhor tradição em antropologia não se pode distinguir as pessoas pela aparência ou pela raça, do que se deduz que não se aplica, neste caso, a regra de se tratar desigualmente os desiguais, pois seres humanos pretos, brancos ou quaisquer outros não são desiguais. O “tratar desigualmente os desiguais”, legítimo quando se aplica a mulheres ou deficientes físicos, se usado para justificar políticas raciais cai na vala comum do modismo do “juridicamente correto”, a versão forense do “politicamente correto”. A expressão “discriminação positiva” representa uma contradição em termos. É o mesmo que falar em “crueldade positiva” ou em “tortura positiva”. Toda discriminação é negativa. O crime do racismo se combate é com leis penais, não com mais crime de racismo agravado pela co-autoria do Estado que deveria coibi-lo! Se negros e pardos são a maioria dentre os pobres, serão eles os maiores beneficiários de políticas sociais de combate à pobreza que atinjam a todos os brasileiros, sem a necessidade da introdução do racismo travestido de política pública. Boas escolas públicas e cotas sociais, não cotas raciais, é que democratizam o acesso à educação superior.
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Para que haja políticas raciais, as diferenças étnicas devem ter expressão demográfica. Por manipulação estatística, a população negra foi multiplicada por dez no Brasil, que, fica rachado ao meio entre negros e brancos. No censo de população, aos cinco por cento dos autodeclarados “negros” foram indevidamente agregados à dita “população negra”, os quarenta e cinco por cento dos autodeclarados “pardos”, que não são “negros”, mas, na verdade, mestiços. Transformam-se em afrodescendentes, quando, na verdade, são “afro”, “euro”, “asio” e “indiodescendentes”. Por isto, as estatísticas étnicas governamentais brasileiras não merecem credibilidade.
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Como resultado deste critério demográfico, os índios vêem negada sua expressiva contribuição à formação do povo brasileiro. Trata-se de um “mestiçocídio” e de um “índiocídio” simbólicos. Por isto, este velho indigenista lamenta profundamente que a FUNAI traia os povos indígenas ao advogar a racialização do Brasil, por meio do sistema de cotas.
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A identidade étnica forçada, imposta, ironicamente, por meio do chamado “Decreto dos Direitos Humanos” e pelo chamado “Estatuto da Igualdade Racial” representa uma brutalidade contra a diversidade e a liberdade, pois, nas democracias, as pessoas têm o direito de assumir as identidades étnicas, de gênero, políticas ou religiosas e outras que escolherem.
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Ao fazer meu PhD nos Estados Unidos, fui o primeiro antropólogo latino-americano a realizar trabalho de campo naquele país e o único brasileiro, até o presente, a estudar o conflito entre negros e brancos americanos in situ. Meu estudo sobre cotas raciais em escolas começou em 1972, no gueto negro da cidade de Gainesville, na Florida. Um amigo negro envolveu-se em uma briga com brancos e, dias depois, foi assassinado. Em 1974, fui estudar uma comunidade branca no Golfo do México. Descobri que ali ocorrera um massacre de negros patrocinado pela KuKluxKlan. O massacre de Rosewood, que denunciei, transformou-se em filme com conhecidos atores como John Voigt, de “Midnight Cowboy”. Lembro-me do alívio que senti ao retornar ao Brasil. Aqui não existia a segregação que induz ao ódio, a assassinatos e massacres raciais.
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Qual não foi, então, meu espanto ao me deparar, recentemente, com um prédio na Universidade de Brasília anunciado por uma enorme placa “Centro de Convivência Negra”, um verdadeiro monumento à segregação! (na hora da apresentação, George aponta para o reitor da unB, que fica muito constrangido - pobrezito...)
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Conflitos étnicos são estimulados por colonialistas europeus e norte-americanos. Em recentes reuniões da American Anthropological Association, a questão central consistiu no intenso emprego de antropólogos em unidades do exército norte-americano no Iraque e no Afeganistão, com o fim de dividir as populações locais. O racialismo no Brasil resulta de décadas de investimento financeiro maciço de fundações norte-americanas em ONGs e movimentos sociais. Responde a premissas básicas da cultura norte-americana e a interesses políticos dos Estados Unidos. Fere a identidade nacional brasileira e resgata a norte-americana, pois enquanto a nossa mestiçagem é condenada, o universalmente repudiado “separated but equal” segregacionista é promovido a virtude democrática. Trata-se de um processo, como o descrito por teóricos anticolonialistas como Franz Fannon, em que os colonizados passam a se ver através dos olhos colonizador, consideram-se inferiores, rejeitam sua identidade e pensam e agem como seus modelos europeus e norte-americanos.
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Outro argumento esgrimido a favor de cotas raciais é o da reparação histórica devido à opressão dos negros ao longo dos séculos.
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Mestiço com muito orgulho declaro não sentir a menor culpa pelo fato de minha bisavó materna de pele mais clara ter, talvez, maltratado minha outra bisavó materna de pele mais escura. Além disto, ninguém pode ser considerado culpado por supostos crimes cometidos por seus antepassados.
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Porém, a associação entre culpa, dívida de sangue e reparação material, estranha a nosso Direito, é muito antiga no Direito anglo-germânico como demonstra o instituto do “wergeld”. Sua inserção na cultura americana tem, ainda, raízes no fundamentalismo religioso, da mesma forma que o criacionismo na explicação do surgimento dos seres vivos. A reparação pressupõe comunidades endogâmicas, ofensora e ofendida, definidas pelo sangue e pela raça A culpa de uns e o direito à reparação de outros são transmitidos através das gerações, como em várias passagens do Velho Testamento. A vida social torna-se um tenso e permanente processo de negociação de versões de supostos crimes históricos e do custo de sua reparação. É freqüente o recurso à violência, pois, as pessoas se sentem em guerra por uma sagrada causa étnico-nacional. .
Os princípios de sangue e raça na definição de comunidades, povos e nações manifestam o jus sanguini como critério de cidadania. A prevalência do jus sanguini, recentemente abolida na Alemanha, foi fonte de enorme sofrimento testemunhado pelo holocausto de judeus, ciganos e eslavos. Os Estados Unidos, país de imigrantes, sempre adotaram o jus solis na definição da nacionalidade em seu sentido mais amplo, mas a discriminação e a segregação de fato derivadas do princípio do sangue continuam a ordenar a vida cotidiana. Direitos civis formalmente iguais e cidadania plena para todos são um conquista recente, mas a aplicação desses direitos ainda faz toda a diferença, pois o jus sanguini, na sua versão consuetudinária tão importante para o Direito Anglo-Saxão, continua a hierarquizar a sociedade americana.
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O jus sanguini se manifesta, nos Estados Unidos, na comum referência aos índios como uma “nação”, aos negros como outra e assim, por diante. O conceito de “nação” está associado a etnias contrastantes articuladas pelo mercado econômico, desconfortavelmente submetidas ao mesmo estado. Os negros confinados em guetos constroem a diferença cultural após a herança africana ter desaparecido. Assim, o dialeto negro é ininteligível para os brancos. As igrejas cristãs negras são diferentes das brancas e traduções inglesas do Corão são lidas na comunidade negra.
No Brasil, a herança cultural africana é de todos, como se vê nos terreiros de Umbanda e nas relações de vizinhança. Negros, brancos e mestiços falam o mesmo português e casam entre si. Ainda não se odeiam mutuamente. Seus filhos são considerados “mulatos”, isto é, são negros e brancos ao mesmo tempo, são brasileiros mestiços. Nas favelas e nos bairros co-existem pessoas de todas as tonalidades de pele, embora se multipliquem os guetos mentais das cotas universitárias e alguns miniguetos físicos, como o centro de convivência negra da UNB. Não faz sentido, por isto, usar o direito à diversidade para justificar as cotas raciais.
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Logo, o transplante do modelo étnico dual segregacionista norte-americano baseado no jus sanguini encontra dois obstáculos: a ausência de comunidades concretas que lhe sirvam de base e o partilhamento da cultura afro-brasileira por toda a nação. Por isto, mantenho viva a esperança na capacidade de resistência cultural e política do povo brasileiro contra as forças desagregadoras e antinacionais, que representam a maior ameaça atual contra nosso País.
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Senhor Ministro, Minhas Senhoras, Meus Senhores, esta Corte não julga apenas o sistema de cotas da UNB, mas a racialização, que despreza a mestiçagem que forjou o povo brasileiro, afronta a dignidade dos cidadãos e fere a unidade nacional!
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Muito obrigado!

segunda-feira, 1 de março de 2010

Ciência dos cosméticos


A revista Veja dessa semana trouxe em sua matéria de capa uma reportagem sobre cosméticos. Colocando o leitor a par dos avanços marcantes que ocorreram nessa área do conhecimento nas últimas décadas, a reportagem (um pouco empolgada demais, é verdade) traz as principais linhas de pesquisa que garentem que acontecerá, nos próximos anos, mudanças significativas na eficiência e potência dos produtos utilizados para manutenção de uma pele saudável e de aparência jovem.


Entre as descobertas e as práticas de grande importância, são citadas a descoberta das acquaporinas (pelo Nobel Peter Agre), responsáveis pela movimentação de água através das células, produtos com nanotecnologia (que permitem uma penetração até as camadas mais profundas da pele), e técnicas especializadas de influenciação de divisão celular e produção de moléculas alvo, como o colágeno.



A reportagem traz, ainda, uma noção do gigantesco aparato envolvido com a indústria cosmética, com laboratórios de grande porte, milhares de Ph.Ds em serviço e associações de pesquisa com universidades. Para a farmácia, um fato surpreendente: dentre os vários doutores líderes de pesquisa, a maioria, atualmente, não é formada em farmácia, como acontecia alguns anos atrás.
Link - Acervo da Veja
veja.abril.com.br/acervodigital