Michelangelo Giotto Santoro Trigueiro
(prof. de sociologia da UnB)
Estive na última assembléia convocada pela Associação dos Docentes da Universidade de Brasília – a ADUnB. Cena patética. De um lado, uma diretoria esforçando-se para explicar que a retirada da parte da GED de nossos contracheques (por si só) não justifica uma greve nacional dos docentes de universidades públicas – “não dá para fazer parte de uma pauta nacional”. De outro lado, uma ansiedade contida (percebida em muitas falas), frustração e muita revolta entre os colegas que ali estavam. Numa frase: um grande desconforto entre muitos de nós; “um sentimento de orfandade política”, teria me soprado um colega, ao final. De fato, cabe a pergunta: além da atuação jurídica prestada até agora pela ADUnB, quem poderia nos defender, politicamente, nesse sinistro em nossos salários? Pergunta que não quer calar, quando, assustados, ainda somos surpreendidos, lateralmente – sim, pois o assunto é quase tangencial, sendo, por mais paradoxal que pareça a idéia, central para nosso destino como professores da UnB – pelo assunto da moda.
Refiro-me, agora, ao chamado REUNI, programa do atual governo federal para a “Reestruturação e Expansão das Universidades Federais. Uma iniciativa do MEC que deverá contar (salvo alguns problemas de percurso), já em seu primeiro momento, com a adesão da Universidade de Brasília. Em que pesem suas altissonantes metas para ampliação do acesso ao ensino superior no país – no segmento das instituições públicas –, uma causa há muito defendida por professores e por diferentes correntes ideológicas, e para a redução dos elevados níveis de evasão – a idéia, também por muitos compartilhada, de melhoria da eficiência na gestão acadêmica e institucional das universidades públicas –, todo o mais é mera reedição de antigas políticas do MEC, da época do governo de FHC (o Edital para as “Novas Diretrizes Curriculares” de 1997); uma cópia mal feita, a meu juízo, de conceitos anteriormente propostas ao mundo acadêmico, como os de “flexibilização curricular”, entre outros. Nenhuma novidade, a esse respeito, no REUNI. Visto por uma outra ótica, essa proposta do MEC, nada mais é que o sucedâneo do que ficou conhecido, no meio acadêmico, como “Universidade Nova”.
Na verdade, numa leitura atenta, o REUNI é, fundamentalmente, a proposta “Universidade Nova” acrescida dos recursos prometidos pelo MEC a quem (dentre as universidades federais) aderir à citada proposta, na condição de se comprometer com o aumento nas taxas de oferta de vagas. Penso que este último objetivo é, essencialmente, o foco do REUNI. O resto (por exemplo, a reestruturação curricular e assim por diante), é mero apêndice. Mesmo a referência, recorrente, à expressão “qualidade” do ensino ganha mais um tom puramente retórico, no documento, que pragmático; tampouco fica claro como deveria ser garantida tal qualidade, e em que momento, antes ou depois dos recursos chegarem (nas situações em que uma ou outra instituição resolver aderir ao programa), uma vez que as condições atuais de salas de aulas e de laboratórios (incluindo-se fortemente a UnB) são de grande penúria, para dizer o mínimo.
A esse respeito, por que o MEC, atento a esse problema, que também envolve os hospitais universitários, não se antecipa e atende, com novos recursos, a tais urgentes necessidades? Por que esperar (ou condicionar) que a instituição participe do Programa, comprometendo-se a aumentar sua oferta de vagas, para reparar um gritante problema, percebido em nosso cotidiano? Do modo como está posto o assunto, a impressão que dá é a de uma chantagem institucional. Numa situação como a que nos encontramos, hoje, no que concerne às condições de trabalho do docente, o REUNI não é um alívio, e também nenhuma novidade. Precisamos de mais recursos e não temos como expandir vagas, sem termos claro o impacto disso tudo, no momento em que se decidir nesse sentido. Todos sabemos que reformas curriculares ou, mais ainda, a reestruturação da “arquitetura do ensino superior”, não é algo que se possa fazer “a toque de caixa”; embora seja assim que o assunto esteja sendo conduzido, internamente, na Universidade de Brasília.
A propósito, o REUNI tem propiciado, na UnB, um curioso alinhamento político-institucional, entre os apoiadores do PT e os do atual reitor de nossa instituição (o professor Timothy Mulholland, que não dá aula, pelo menos, a 14 anos).
Claro, cada um tem o direito de escolher seus representantes. Temos, no governo federal, um que disse nunca ter lido um livro na vida; na UnB, um que não dá aula a pelo menos 14 anos.
A questão não é esta, embora seja importante a premissa, mas saber quem são de fato nossos interlocutores, no momento. A ADUnB acaba de convidar a comunidade para um evento, uma palestra, ao que entendi, para discutir o REUNI. Também nada contra o prezado colega da física, que fora convidado para tal exposição, pessoa de grande compromisso com a UnB e com os ideais de universidade pública. Mas contra, sim, o formato do evento. Uma palestra? Não é o momento de expor controvérsias, de sondar a diversidade de informações e reações a essa proposta do MEC? Por optar por um formato distinto para o citado evento, que tende a limitar a participação ampliada de diferentes entendimentos sobre o tema (ao contrário, por exemplo, de uma “mesa redonda”, ou algo no gênero), num momento crucial como este, de muitas ansiedades, precariedade de informações e estratégias autoritárias de condução da política acadêmica (refiro-me, aqui, à ação da reitoria da UnB), que estabelece prazos exíguos para o aprofundamento de tema de tão grande impacto em nosso dia a dia (assim como a retirada de parte de nossa GED), corremos seriamente o risco de transformarmos o movimento docente, apenas, no exercício inconseqüente de um monólogo.
Para muitos de nós, docentes, a construção de uma pauta nacional para nossas reivindicações não deve ser o único eixo ou estratégia de luta. Mesmo porque temos questões tão específicas, como as que dizem respeito a nossa inserção no REUNI (até onde sei, não mais que meia dúzia de instituições federais deverão aderir num primeiro momento ao programa do MEC), e a do vergonhoso episódio da perda em nossos contracheques, além das contínuas queixas de roubos, da precariedade das condições atuais do ensino (em meio a um espetaculoso canteiro de obras na UnB), e dos problemas decorrentes da falta de professores e de técnicos para fazer frente a crescentes demandas do ensino, da pesquisa e da extensão.
Como podemos encaminhar, na UnB, esses assuntos? Quem poderá nos escutar?
A julgar pelo que temos presenciado, estamos muito mal. Entre a escolha de aderir por falta de alternativa ou de “deixar levar até ver como vai ficar”. O problema é que o preço por seguir por uma ou outra dessas duas alternativas pode ser muito caro, num futuro não muito distante, para quem escolheu, antes, a vida acadêmica como razão de viver.
quinta-feira, 30 de agosto de 2007
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