Texto de Dora Porto, Antropóloga
.
Falar sobre fraude em ciência implica em definir primeiro o que deve ser considerado fraude. Para evitar grandes elocubrações a respeito pode-se sintetizar essa idéia segundo a definição oficial de fraude que implica em uma ação cujo objetivo é, deliberadamente, enganar alguém. Assim, o que seria enganar os outros, também pode variar conforme os objetivos pretendidos. Portanto, para pensar em fraude em ciência é preciso pensar no que, de fato, pretende a ciência e como as instituições de ensino preparam aqueles que devem alcançar esse objetivo.
.
Reproduzindo as características do processo inato de aprendizado, por mimesis ou imitação, o sistema de ensino, desde as primeiras séries, baseia-se na reprodução do conhecimento e não na originalidade das idéias construídas a partir da assimilação do conhecimento. Tal prática, tida como "normal" e, em muitos casos, referendada com menções laudatórias, torna-se especialmente perversa em tempos do "control C control V", quando quase qualquer pessoa tem acesso a milhares de textos publicados sobre um assunto e, com um corta e cola eficiente, além de um bom dicionário de sinônimos à mão, pode produzir em questão de horas (ou minutos, dependendo do cuidado que se tenha) um texto "original", segundo os critérios aceitos na maior parte das universidades. E qualquer um que já tenha dado aulas sabe o quanto isso é freqüente. A leitura cuidadosa de trabalhos acadêmicos, especialmente nas turmas grandes, remete em muitos casos a um número restrito de sites, dos quais a informação foi retirada e, mais ou menos "transformada" em palavras do autor do trabalho.
.
A pressão para publicar também colabora para agravar esse problema. Como o desempenho dos pesquisadores, o acesso à verba para pesquisa e os critérios de progressão funcional nas instituições às quais estão vinculados estão associados à publicação, a necessidade de publicar muito acaba por se tornar imperativa. Na área das ciências humanas essa pressão traz resultados ainda mais nefastos pois as revistas de peso adotam critérios editoriais voltados às ciências exatas ou biológicas, relacionados ao tamanho e formado artigo, bem como à metodologia adotada na pesquisa que, prioritariamentedeve ser quantitativa. Esse rol de critérios revela-se circunstância extremamente desfavorável às características das pesquisas na área das ciências humanas e gera um tipo distinto de problema, que não chega a ser uma fraude, mas, algumas vezes deixa no pesquisador sensação similar. Para cumprir as exigências das revistas e conseguir publicar o pesquisador terá, muitas vezes, que recortar tanto seu trabalho, pinçando um aspecto isolado de seus resultados, que acaba por perceber que o mesmo deixa de fazer sentido. Assim, nesses casos, ainda que o pesquisador não seja de fato um fraudador, muitas vezes se sente como tal em relação à extensão e profundidade de seu próprio trabalho.
.
Além desses aspectos há ainda uma outra gama de considerações que precisam ser encaradas. Há quase 30 anos, quando publicava poesia independente e vendia na noite, escrevi um livrinho chamado S/A, título pouco compreendido porque, na verdade, o que pretendia dizer com isso era que as idéias não podem ser reduzidas à condição de propriedade, uma vez que circulam entre as pessoas, sendo coletivamente construídas. Todas as grandes idéias e, até mesmo, a idéia de usar palavras como ferramentas de comunicação, só foram possíveis e eficazes porque foram compartilhadas. Imagine se sob o signo da propriedade privada cada ser humano tivesse desenvolvido sua própria linguagem, seu próprio sistema de signos e valores, suas próprias regras para o convívio com os demais e suas leis? Com certeza não estaríamos aqui hoje e, pior, é quase certo que nossa espécie sequer estaria sobre a face daTerra. Para o bem ou para o mal, todas as grandes idéias, que levaram a descobertas ou invenções, deram certo porque foram compartilhadas. Quase tudo que usamos no cotidiano remonta a alguma descoberta tecnológica que nossos ancestrais fizeram a milhares de anos: do fogo à domesticação das plantas e animais. Lembrando que isso hoje ultrapassa o cafezinho que você pode estar tomando enquanto lê (ou o iogurte, leite, etc), mas estende-se a roupas, artefatos, vacinas e remédios.
.
Porém, se a linguagem, falada ou escrita, é a mais contundente prova de que partilhar é essencial (imagine viver em um mundo em que é impossível perguntar até mesmo "foi bom para você?"), quando se trata das coisas nossa lógica se altera. Vivendo sob o imaginário da propriedade privada, que naturaliza, inclusive, a propriedade do corpo (que deixa de ser Eu e passa a ser meu) não é difícil entender que a questão da fraude acaba intimamente relacionada ao reconhecimento da propriedade. Assim, mais do que flagrar opesquisador inescrupuloso, que se apodera de dados que não são produziu ou aquele que falseia seus dados para publicar uma inverdade retumbante, a questão da fraude parece relacionada à questão da propriedade, negando a imagem que desenha o conhecimento como a soma dos resultados de centenas de milhares de anões que, com seus erros e acertos, formam o grande corpo do conhecimento.
.
Porém as descobertas mais significativas, inclusive na ciência, são -obviamente - aquelas cujos resultados são amplamente partilhados por populações diferentes em todo planeta. A vacina contra poliomielite prova isso. Assim a pergunta volta ao ponto inicial? À reflexão sobre o discurso que sustenta a ciência, de que produz descobertas para o bem da humanidade, não seria, em si mesmo uma fraude? Afinal, o mundo globalizado o prova, nunca vivemos com tanto aporte científico, tanta tecnologia e tanta exclusão.
segunda-feira, 22 de outubro de 2007
quarta-feira, 17 de outubro de 2007
A concentração do conhecimento
Resenha de BARROS, Fernando - A tendência concentradora da produção de conhecimento no mundo contemporâneo (Brasília: Paralelo 15 – Abipti, 2005, 307 p.)
.
por: Profa. Maria Lucia Maciel
(IFCS/UFRJ)
.
No relatório do Banco Mundial, Knowledge for Development (1999), o seguinte trecho sintetiza de forma aguda o problema atual da concentração do conhecimento:
.
Knowledge is like light. Weightless and intangible, it can easily travel the world, enlightening the lives of people everywhere. Yet billions of people still live in the darkness of poverty - unnecessarily.
.
Muitos autores têm chamado atenção, nos últimos anos, para a questão da concentração geográfica do conhecimento e para o mito da chamada sociedade do conhecimento (ver nota de rodapé). O maior mérito do trabalho de Fernando Barros neste livro, resultante de sua tese de doutorado, é o de traduzir essa problemática em dados concretos e análises cuidadosas relevantes à realidade dos países periféricos, e especialmente para o Brasil.
.
Apoiando-se em fontes de dados trabalhados pelo Observatoire des Sciences et Techniques-OST e baseados em relatórios de OCDE (Principais Indicadores C&T), UNESCO, EUROSTAT e INED, o autor demonstra os altos índices de concentração de investimentos em ciência e tecnologia (C&T), assim como de instituições, de pesquisadores e de sua produção, na América do Norte, na Europa e no Japão. Mas o autor também desagrega os dados por países e por áreas do conhecimento, além de entrar na complexa questão dos resultados em termos de inovação tecnológica, na qual os dados que demonstram a concentração são ainda mais contundentes. Para apoiar sua análise, o autor conduziu ainda uma série de entrevistas com especialistas brasileiros e internacionais dessa área, cujo roteiro encontra-se no anexo do livro.
.
O primeiro capítulo apresenta seu quadro teórico de análise da produção e distribuição de conhecimento na atualidade e aponta as principais tendências contemporâneas nesse campo, resultantes da revolução científico-tecnológica dos últimos trinta anos. O segundo descreve quantitativa e qualitativamente como essas tendências se concretizaram nos países mais desenvolvidos. O terceiro faz um panorama da ciência e da tecnologia nos países em desenvolvimento, focando mais especialmente os casos de China, Índia e Brasil. O capítulo seguinte retrata as desigualdades científicas e tecnológicas mundiais no contexto da globalização, mostrando que as distâncias entre países são bem maiores na tecnologia do que na ciência. No último capítulo, o autor desenvolve seu argumento sobre a tendência à concentração do conhecimento no mundo contemporâneo e destaca o papel do Estado nos processos nacionais que contribuem para configurar a atual distribuição geográfica do conhecimento. Nas conclusões, Barros sintetiza seus argumentos e aponta as perspectivas para o futuro.
.
Merece especial atenção a análise de séries históricas que se, por um lado, confirmam as origens históricas e estruturais dessa tendência à concentração, por outro também indicam “desvios” interessantes nessa tendência: o primeiro, no período após a segunda guerra mundial; e o segundo, nas três últimas décadas.
.
No primeiro caso, houve um movimento de expansão das atividades científicas e tecnológicas de forma menos desigual entre os diferentes estados nacionais. Dessa forma, as contribuições ao desenvolvimento da ciência, ainda que em pequenas proporções, passaram a ter origem mais diversificada. No Brasil, vimos nesse período do pós-guerra um grande esforço institucional e financeiro que gerou, entre outros, o CNPq e a Capes.
.
Mas a crise capitalista do final dos anos 1970 e as mudanças ocorridas com o processo de globalização da economia, segundo o autor, afetaram profundamente os países em desenvolvimento, onde as atividades científicas e tecnológicas dependiam basicamente do Estado. Sabemos como os anos 1980 e 1990 testemunharam uma redução no esforço de desenvolvimento científico e tecnológico no Brasil, cujos efeitos se fazem sentir até hoje em alguns aspectos.
.
O segundo momento interessante (só o tempo dirá se é mais um “desvio” da história ou se é uma nova tendência que se afirma) diz respeito às três últimas décadas. Se é verdade, como demonstra Barros, que a distância entre os países ditos centrais e os menos desenvolvidos (como a maioria dos países africanos) continua aumentando, seguindo a tendência histórica, por outro os dados apresentados no livro também indicam uma leve dispersão da produção científica e tecnológica. Com a constatação do papel central de C&T para o desenvolvimento, em meio às radicais transformações que colocam a produção e apropriação da informação e – principalmente – do conhecimento como fatores cruciais dos processos econômicos e sociais no mundo contemporâneo, vários países vêm procurando investir (tanto recursos materiais quanto imateriais) no avanço científico e tecnológico.
.
É o caso, por exemplo, dos países que o autor denomina de “intermediários”, como o Canadá, Austrália, Nova Zelândia, entre outros, que conseguiram atingir um grau de capacitação técnico-científica e padrões de desenvolvimento semelhantes aos encontrados nos países líderes. Da mesma forma, é digno de nota o resultado obtido nos saltos qualitativos observados na Coréia do Sul, em outros novos países industrializados (NPI) da Ásia – que já foram chamados de “tigres asiáticos” – e em alguns países membros da União Européia, como Espanha, Finlândia e Irlanda, o que contribui significativamente para uma realidade menos polarizada.
.
Mais relevante ainda – para o nosso caso específico, pelo menos – é a ascensão no cenário internacional de países emergentes como China, Índia e Brasil. A tal ponto que o tema do momento nas reuniões internacionais de especialistas da área é o novo conjunto denominado “BRICS” – que reúne as iniciais de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Estes seriam os países de maior desenvolvimento potencial no século XXI, segundo alguns. É claro que há imensas diferenças entre essas cinco configurações sócio-políticas. Sobretudo, talvez, o fato de que Índia e China estão conseguindo avançar muito mais no campo do desenvolvimento tecnológico do que o Brasil, por exemplo, enquanto o nosso país tem tido mais sucesso no avanço científico do que na tecnologia.
.
Mas o que me chama mais atenção ao longo de todo o livro e particularmente no relato (e nos dados) desses casos de sucesso é o que eles têm em comum. Tanto nos países “intermediários” quanto nos NPI e nos novos emergentes, o fator crucial que parece alimentar o potencial de “desviar” a tendência é a ação do Estado. Como diz o autor, a mudança ocorre “por meio de políticas incisivas que podem levar a um processo de maior desconcentração”.
.
Assim como ocorreu em alguns países no pós-guerra, as mudanças mais recentes observadas por exemplo na Coréia, na China e na Índia foram promovidas por políticas estatais fortes e consistentes, de longo prazo. O Japão, aliás, já tinha demonstrado isso muito antes e de forma contundente. Isso não implica ignorar a ação de forças econômicas presentes em cada sociedade e as correntes de interesses do mercado associadas aos avanços na produção tecnológica – e que ainda não se expressaram significativamente no Brasil. A idéia de Sistema Nacional de Inovação refere-se justamente ao conjunto integrado de esforços públicos e privados nessa direção. Mas os exemplos e os dados mostram claramente que mesmo a inovação tecnológica promovida por interesses privados responde, em grande parte, a estímulos colocados por um ambiente macro-econômico e uma política de estado em que os incentivos à produção justificam os riscos e os esforços – e que também ainda não se expressaram significativamente no Brasil...
.
Em suma, apesar da “tendência concentradora” do título do livro, que pode dar a impressão de uma mensagem pessimista do autor, encontram-se também no seu trabalho os caminhos alternativos que, segundo ele, “poderão emergir da práxis social” – e política, diria eu – “e conduzir a outros horizontes”.
.
Para concluir, vale a pena acrescentar ainda um comentário, inclusive como sugestão para trabalhos futuros.
.
Há, obviamente, contradições inerentes à idéia, muito difundida, de que o conhecimento é cada vez mais accessível e disseminado – ao mesmo tempo em que ele é cada vez mais privatizado e, portanto, mais concentrado. O argumento, que tem raízes clássicas nas teorias que postulam a mudança como sendo gerada e movida a partir das próprias contradições inerentes a cada momento histórico, é produtivo em pelo menos dois sentidos. Em primeiro lugar, ele nos instiga a novas problematizações e perspectivas sobre o nosso tempo que desvendam atores, relações e tensões em muitos casos insuspeitados. Em segundo lugar, as próprias incertezas e instabilidades institucionais características da nossa contemporaneidade podem sugerir os caminhos da ação social e política mencionados por Fernando Barros. Não estamos, evidentemente, em período de estabilidade de instituições, normas e regras consolidadas – muito pelo contrário. Descortinam-se assim iniciativas sociais e políticas inéditas de países e coletividades em todos os níveis (internacional, nacional, local) que indicam possibilidades diversas de estratégias e políticas propícias à mudança.
Nota de rodapé: Ver particularmente CASSIOLATO, LASTRES e MACIEL (org) Systems of Innovation and Development (Edgar Elgar Publ., 2003) e STEHR, N. “Da desigualdade de classe à desigualdade de conhecimento”, Rev. bras. Ci. Soc., 2000, 15(42).
.
por: Profa. Maria Lucia Maciel
(IFCS/UFRJ)
.
No relatório do Banco Mundial, Knowledge for Development (1999), o seguinte trecho sintetiza de forma aguda o problema atual da concentração do conhecimento:
.
Knowledge is like light. Weightless and intangible, it can easily travel the world, enlightening the lives of people everywhere. Yet billions of people still live in the darkness of poverty - unnecessarily.
.
Muitos autores têm chamado atenção, nos últimos anos, para a questão da concentração geográfica do conhecimento e para o mito da chamada sociedade do conhecimento (ver nota de rodapé). O maior mérito do trabalho de Fernando Barros neste livro, resultante de sua tese de doutorado, é o de traduzir essa problemática em dados concretos e análises cuidadosas relevantes à realidade dos países periféricos, e especialmente para o Brasil.
.
Apoiando-se em fontes de dados trabalhados pelo Observatoire des Sciences et Techniques-OST e baseados em relatórios de OCDE (Principais Indicadores C&T), UNESCO, EUROSTAT e INED, o autor demonstra os altos índices de concentração de investimentos em ciência e tecnologia (C&T), assim como de instituições, de pesquisadores e de sua produção, na América do Norte, na Europa e no Japão. Mas o autor também desagrega os dados por países e por áreas do conhecimento, além de entrar na complexa questão dos resultados em termos de inovação tecnológica, na qual os dados que demonstram a concentração são ainda mais contundentes. Para apoiar sua análise, o autor conduziu ainda uma série de entrevistas com especialistas brasileiros e internacionais dessa área, cujo roteiro encontra-se no anexo do livro.
.
O primeiro capítulo apresenta seu quadro teórico de análise da produção e distribuição de conhecimento na atualidade e aponta as principais tendências contemporâneas nesse campo, resultantes da revolução científico-tecnológica dos últimos trinta anos. O segundo descreve quantitativa e qualitativamente como essas tendências se concretizaram nos países mais desenvolvidos. O terceiro faz um panorama da ciência e da tecnologia nos países em desenvolvimento, focando mais especialmente os casos de China, Índia e Brasil. O capítulo seguinte retrata as desigualdades científicas e tecnológicas mundiais no contexto da globalização, mostrando que as distâncias entre países são bem maiores na tecnologia do que na ciência. No último capítulo, o autor desenvolve seu argumento sobre a tendência à concentração do conhecimento no mundo contemporâneo e destaca o papel do Estado nos processos nacionais que contribuem para configurar a atual distribuição geográfica do conhecimento. Nas conclusões, Barros sintetiza seus argumentos e aponta as perspectivas para o futuro.
.
Merece especial atenção a análise de séries históricas que se, por um lado, confirmam as origens históricas e estruturais dessa tendência à concentração, por outro também indicam “desvios” interessantes nessa tendência: o primeiro, no período após a segunda guerra mundial; e o segundo, nas três últimas décadas.
.
No primeiro caso, houve um movimento de expansão das atividades científicas e tecnológicas de forma menos desigual entre os diferentes estados nacionais. Dessa forma, as contribuições ao desenvolvimento da ciência, ainda que em pequenas proporções, passaram a ter origem mais diversificada. No Brasil, vimos nesse período do pós-guerra um grande esforço institucional e financeiro que gerou, entre outros, o CNPq e a Capes.
.
Mas a crise capitalista do final dos anos 1970 e as mudanças ocorridas com o processo de globalização da economia, segundo o autor, afetaram profundamente os países em desenvolvimento, onde as atividades científicas e tecnológicas dependiam basicamente do Estado. Sabemos como os anos 1980 e 1990 testemunharam uma redução no esforço de desenvolvimento científico e tecnológico no Brasil, cujos efeitos se fazem sentir até hoje em alguns aspectos.
.
O segundo momento interessante (só o tempo dirá se é mais um “desvio” da história ou se é uma nova tendência que se afirma) diz respeito às três últimas décadas. Se é verdade, como demonstra Barros, que a distância entre os países ditos centrais e os menos desenvolvidos (como a maioria dos países africanos) continua aumentando, seguindo a tendência histórica, por outro os dados apresentados no livro também indicam uma leve dispersão da produção científica e tecnológica. Com a constatação do papel central de C&T para o desenvolvimento, em meio às radicais transformações que colocam a produção e apropriação da informação e – principalmente – do conhecimento como fatores cruciais dos processos econômicos e sociais no mundo contemporâneo, vários países vêm procurando investir (tanto recursos materiais quanto imateriais) no avanço científico e tecnológico.
.
É o caso, por exemplo, dos países que o autor denomina de “intermediários”, como o Canadá, Austrália, Nova Zelândia, entre outros, que conseguiram atingir um grau de capacitação técnico-científica e padrões de desenvolvimento semelhantes aos encontrados nos países líderes. Da mesma forma, é digno de nota o resultado obtido nos saltos qualitativos observados na Coréia do Sul, em outros novos países industrializados (NPI) da Ásia – que já foram chamados de “tigres asiáticos” – e em alguns países membros da União Européia, como Espanha, Finlândia e Irlanda, o que contribui significativamente para uma realidade menos polarizada.
.
Mais relevante ainda – para o nosso caso específico, pelo menos – é a ascensão no cenário internacional de países emergentes como China, Índia e Brasil. A tal ponto que o tema do momento nas reuniões internacionais de especialistas da área é o novo conjunto denominado “BRICS” – que reúne as iniciais de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Estes seriam os países de maior desenvolvimento potencial no século XXI, segundo alguns. É claro que há imensas diferenças entre essas cinco configurações sócio-políticas. Sobretudo, talvez, o fato de que Índia e China estão conseguindo avançar muito mais no campo do desenvolvimento tecnológico do que o Brasil, por exemplo, enquanto o nosso país tem tido mais sucesso no avanço científico do que na tecnologia.
.
Mas o que me chama mais atenção ao longo de todo o livro e particularmente no relato (e nos dados) desses casos de sucesso é o que eles têm em comum. Tanto nos países “intermediários” quanto nos NPI e nos novos emergentes, o fator crucial que parece alimentar o potencial de “desviar” a tendência é a ação do Estado. Como diz o autor, a mudança ocorre “por meio de políticas incisivas que podem levar a um processo de maior desconcentração”.
.
Assim como ocorreu em alguns países no pós-guerra, as mudanças mais recentes observadas por exemplo na Coréia, na China e na Índia foram promovidas por políticas estatais fortes e consistentes, de longo prazo. O Japão, aliás, já tinha demonstrado isso muito antes e de forma contundente. Isso não implica ignorar a ação de forças econômicas presentes em cada sociedade e as correntes de interesses do mercado associadas aos avanços na produção tecnológica – e que ainda não se expressaram significativamente no Brasil. A idéia de Sistema Nacional de Inovação refere-se justamente ao conjunto integrado de esforços públicos e privados nessa direção. Mas os exemplos e os dados mostram claramente que mesmo a inovação tecnológica promovida por interesses privados responde, em grande parte, a estímulos colocados por um ambiente macro-econômico e uma política de estado em que os incentivos à produção justificam os riscos e os esforços – e que também ainda não se expressaram significativamente no Brasil...
.
Em suma, apesar da “tendência concentradora” do título do livro, que pode dar a impressão de uma mensagem pessimista do autor, encontram-se também no seu trabalho os caminhos alternativos que, segundo ele, “poderão emergir da práxis social” – e política, diria eu – “e conduzir a outros horizontes”.
.
Para concluir, vale a pena acrescentar ainda um comentário, inclusive como sugestão para trabalhos futuros.
.
Há, obviamente, contradições inerentes à idéia, muito difundida, de que o conhecimento é cada vez mais accessível e disseminado – ao mesmo tempo em que ele é cada vez mais privatizado e, portanto, mais concentrado. O argumento, que tem raízes clássicas nas teorias que postulam a mudança como sendo gerada e movida a partir das próprias contradições inerentes a cada momento histórico, é produtivo em pelo menos dois sentidos. Em primeiro lugar, ele nos instiga a novas problematizações e perspectivas sobre o nosso tempo que desvendam atores, relações e tensões em muitos casos insuspeitados. Em segundo lugar, as próprias incertezas e instabilidades institucionais características da nossa contemporaneidade podem sugerir os caminhos da ação social e política mencionados por Fernando Barros. Não estamos, evidentemente, em período de estabilidade de instituições, normas e regras consolidadas – muito pelo contrário. Descortinam-se assim iniciativas sociais e políticas inéditas de países e coletividades em todos os níveis (internacional, nacional, local) que indicam possibilidades diversas de estratégias e políticas propícias à mudança.
Nota de rodapé: Ver particularmente CASSIOLATO, LASTRES e MACIEL (org) Systems of Innovation and Development (Edgar Elgar Publ., 2003) e STEHR, N. “Da desigualdade de classe à desigualdade de conhecimento”, Rev. bras. Ci. Soc., 2000, 15(42).
segunda-feira, 8 de outubro de 2007
Nome e renome - por Marcelo Leite
Nome e renome
.
por Marcelo Leite
Caderno Mais! - Folha de SP
7 de outubro de 2007
.
Existem no Brasil 27 instituições cujos pesquisadores publicaram pelo menos cem artigos em periódicos científicos internacionais de primeira linha, como "Nature" ou "Science", em 2005. Segundo levantamento de Rogério Meneghini na base de dados Web of Science, duas universidades paulistas estão no topo da lista: USP (4.170 artigos) e Unicamp (1.569).
.
Nada de muito novo aí. Todo mundo sabe que USP e Unicamp ocupam a linha de frente, ao lado de UFRJ (1.267 artigos), Unesp (1.166), UFRGS (971) e UFMG (875), para ficar na casa do milhar. Quantidade de produção, porém, não é o único indicador de excelência acadêmica.
.
Meneghini estuda esses indicadores há anos e se tornou um especialista em "cientometria", como se diz. Ele pesquisou também o impacto desses artigos todos, medido pelo número de citações que angariaram. O raciocínio é que as contribuições científicas mais importantes são também aquelas que outros pesquisadores incluem nas suas notas de rodapé.
.
Com base nas duas quantidades, Meneghini obteve a média de citações por artigo em cada instituição, um indicador razoável de sua capacidade de produzir ciência relevante. Neste caso, o ranking se altera consideravelmente. Em primeiro lugar aparece agora o Instituto Butantan, de São Paulo, cujos 135 artigos do ano 2005 geraram até o mês passado um total de 408 menções (média de 3,02 citações por trabalho).
.
Em seguida vêm Unifesp (2,94), USP (2,89) e -surpresa- UFSM (2,80). Já ouviu falar? Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. De lá saíram 267 artigos em 2005, mais que do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, com 214) e da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz, com 229), nomes com os quais o leitor deve estar mais familiarizado.
.
Por falar em nomes, não é de todo improvável que as instituições mencionadas venham a questionar o levantamento com cifras divergentes obtidas na mesma Web of Science. Bases de dados são bases de dados - computadores e programas que só localizam aquilo que o freguês mandar procurar. Se pesquisar "Univ São Paulo", vai dar com 3.689 artigos; se "USP", com 561.
.
Se a soma 4.250 - e não 4.170, como no primeiro parágrafo - soa estranha, mais estranha ainda é a razão por trás dela: a instituição pode aparecer de maneira diversa na afiliação institucional indicada pelos autores de um mesmo artigo. Nem eles se preocuparam em padronizar a referência, nem os revisores do periódico corrigiram a discrepância óbvia.
.
No caso da Unicamp, Meneghini arriscou três grafias: "Unicamp" (692 artigos), "Univ Estadual Campinas" (1.080) e "State Univ Campinas" (241). É pouco provável que rankings internacionais, como o da Universidade Jiao Tong de Xangai incensado pela revista "Economist", levem em conta essas variantes nos nomes, prejudicando o renome, ou pelo menos a visibilidade, das instituições brasileiras.
.
Com seus 4.170 artigos em 2005, a USP não chega nem aos pés da campeã norte-americana Harvard (9.003 trabalhos). Tampouco chega a fazer feio diante da vice britânica Cambridge (4.748). Sua média de 2,89 citações por artigo, porém, não alcança um terço da de Harvard (9,91). Tal escore foi obtido com quase 90 mil menções na literatura científica à usina acadêmica instalada às margens do rio Charles, em Cambridge, Massachusetts (EUA). É mais que o dobro de todas as 27 do ranking nacional -juntas. Com o nome que for.
.
por Marcelo Leite
Caderno Mais! - Folha de SP
7 de outubro de 2007
.
Existem no Brasil 27 instituições cujos pesquisadores publicaram pelo menos cem artigos em periódicos científicos internacionais de primeira linha, como "Nature" ou "Science", em 2005. Segundo levantamento de Rogério Meneghini na base de dados Web of Science, duas universidades paulistas estão no topo da lista: USP (4.170 artigos) e Unicamp (1.569).
.
Nada de muito novo aí. Todo mundo sabe que USP e Unicamp ocupam a linha de frente, ao lado de UFRJ (1.267 artigos), Unesp (1.166), UFRGS (971) e UFMG (875), para ficar na casa do milhar. Quantidade de produção, porém, não é o único indicador de excelência acadêmica.
.
Meneghini estuda esses indicadores há anos e se tornou um especialista em "cientometria", como se diz. Ele pesquisou também o impacto desses artigos todos, medido pelo número de citações que angariaram. O raciocínio é que as contribuições científicas mais importantes são também aquelas que outros pesquisadores incluem nas suas notas de rodapé.
.
Com base nas duas quantidades, Meneghini obteve a média de citações por artigo em cada instituição, um indicador razoável de sua capacidade de produzir ciência relevante. Neste caso, o ranking se altera consideravelmente. Em primeiro lugar aparece agora o Instituto Butantan, de São Paulo, cujos 135 artigos do ano 2005 geraram até o mês passado um total de 408 menções (média de 3,02 citações por trabalho).
.
Em seguida vêm Unifesp (2,94), USP (2,89) e -surpresa- UFSM (2,80). Já ouviu falar? Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. De lá saíram 267 artigos em 2005, mais que do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, com 214) e da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz, com 229), nomes com os quais o leitor deve estar mais familiarizado.
.
Por falar em nomes, não é de todo improvável que as instituições mencionadas venham a questionar o levantamento com cifras divergentes obtidas na mesma Web of Science. Bases de dados são bases de dados - computadores e programas que só localizam aquilo que o freguês mandar procurar. Se pesquisar "Univ São Paulo", vai dar com 3.689 artigos; se "USP", com 561.
.
Se a soma 4.250 - e não 4.170, como no primeiro parágrafo - soa estranha, mais estranha ainda é a razão por trás dela: a instituição pode aparecer de maneira diversa na afiliação institucional indicada pelos autores de um mesmo artigo. Nem eles se preocuparam em padronizar a referência, nem os revisores do periódico corrigiram a discrepância óbvia.
.
No caso da Unicamp, Meneghini arriscou três grafias: "Unicamp" (692 artigos), "Univ Estadual Campinas" (1.080) e "State Univ Campinas" (241). É pouco provável que rankings internacionais, como o da Universidade Jiao Tong de Xangai incensado pela revista "Economist", levem em conta essas variantes nos nomes, prejudicando o renome, ou pelo menos a visibilidade, das instituições brasileiras.
.
Com seus 4.170 artigos em 2005, a USP não chega nem aos pés da campeã norte-americana Harvard (9.003 trabalhos). Tampouco chega a fazer feio diante da vice britânica Cambridge (4.748). Sua média de 2,89 citações por artigo, porém, não alcança um terço da de Harvard (9,91). Tal escore foi obtido com quase 90 mil menções na literatura científica à usina acadêmica instalada às margens do rio Charles, em Cambridge, Massachusetts (EUA). É mais que o dobro de todas as 27 do ranking nacional -juntas. Com o nome que for.
Assinar:
Postagens (Atom)