segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Fraude na pesquisa e no ensino

Texto de Dora Porto, Antropóloga
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Falar sobre fraude em ciência implica em definir primeiro o que deve ser considerado fraude. Para evitar grandes elocubrações a respeito pode-se sintetizar essa idéia segundo a definição oficial de fraude que implica em uma ação cujo objetivo é, deliberadamente, enganar alguém. Assim, o que seria enganar os outros, também pode variar conforme os objetivos pretendidos. Portanto, para pensar em fraude em ciência é preciso pensar no que, de fato, pretende a ciência e como as instituições de ensino preparam aqueles que devem alcançar esse objetivo.
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Reproduzindo as características do processo inato de aprendizado, por mimesis ou imitação, o sistema de ensino, desde as primeiras séries, baseia-se na reprodução do conhecimento e não na originalidade das idéias construídas a partir da assimilação do conhecimento. Tal prática, tida como "normal" e, em muitos casos, referendada com menções laudatórias, torna-se especialmente perversa em tempos do "control C control V", quando quase qualquer pessoa tem acesso a milhares de textos publicados sobre um assunto e, com um corta e cola eficiente, além de um bom dicionário de sinônimos à mão, pode produzir em questão de horas (ou minutos, dependendo do cuidado que se tenha) um texto "original", segundo os critérios aceitos na maior parte das universidades. E qualquer um que já tenha dado aulas sabe o quanto isso é freqüente. A leitura cuidadosa de trabalhos acadêmicos, especialmente nas turmas grandes, remete em muitos casos a um número restrito de sites, dos quais a informação foi retirada e, mais ou menos "transformada" em palavras do autor do trabalho.
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A pressão para publicar também colabora para agravar esse problema. Como o desempenho dos pesquisadores, o acesso à verba para pesquisa e os critérios de progressão funcional nas instituições às quais estão vinculados estão associados à publicação, a necessidade de publicar muito acaba por se tornar imperativa. Na área das ciências humanas essa pressão traz resultados ainda mais nefastos pois as revistas de peso adotam critérios editoriais voltados às ciências exatas ou biológicas, relacionados ao tamanho e formado artigo, bem como à metodologia adotada na pesquisa que, prioritariamentedeve ser quantitativa. Esse rol de critérios revela-se circunstância extremamente desfavorável às características das pesquisas na área das ciências humanas e gera um tipo distinto de problema, que não chega a ser uma fraude, mas, algumas vezes deixa no pesquisador sensação similar. Para cumprir as exigências das revistas e conseguir publicar o pesquisador terá, muitas vezes, que recortar tanto seu trabalho, pinçando um aspecto isolado de seus resultados, que acaba por perceber que o mesmo deixa de fazer sentido. Assim, nesses casos, ainda que o pesquisador não seja de fato um fraudador, muitas vezes se sente como tal em relação à extensão e profundidade de seu próprio trabalho.
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Além desses aspectos há ainda uma outra gama de considerações que precisam ser encaradas. Há quase 30 anos, quando publicava poesia independente e vendia na noite, escrevi um livrinho chamado S/A, título pouco compreendido porque, na verdade, o que pretendia dizer com isso era que as idéias não podem ser reduzidas à condição de propriedade, uma vez que circulam entre as pessoas, sendo coletivamente construídas. Todas as grandes idéias e, até mesmo, a idéia de usar palavras como ferramentas de comunicação, só foram possíveis e eficazes porque foram compartilhadas. Imagine se sob o signo da propriedade privada cada ser humano tivesse desenvolvido sua própria linguagem, seu próprio sistema de signos e valores, suas próprias regras para o convívio com os demais e suas leis? Com certeza não estaríamos aqui hoje e, pior, é quase certo que nossa espécie sequer estaria sobre a face daTerra. Para o bem ou para o mal, todas as grandes idéias, que levaram a descobertas ou invenções, deram certo porque foram compartilhadas. Quase tudo que usamos no cotidiano remonta a alguma descoberta tecnológica que nossos ancestrais fizeram a milhares de anos: do fogo à domesticação das plantas e animais. Lembrando que isso hoje ultrapassa o cafezinho que você pode estar tomando enquanto lê (ou o iogurte, leite, etc), mas estende-se a roupas, artefatos, vacinas e remédios.
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Porém, se a linguagem, falada ou escrita, é a mais contundente prova de que partilhar é essencial (imagine viver em um mundo em que é impossível perguntar até mesmo "foi bom para você?"), quando se trata das coisas nossa lógica se altera. Vivendo sob o imaginário da propriedade privada, que naturaliza, inclusive, a propriedade do corpo (que deixa de ser Eu e passa a ser meu) não é difícil entender que a questão da fraude acaba intimamente relacionada ao reconhecimento da propriedade. Assim, mais do que flagrar opesquisador inescrupuloso, que se apodera de dados que não são produziu ou aquele que falseia seus dados para publicar uma inverdade retumbante, a questão da fraude parece relacionada à questão da propriedade, negando a imagem que desenha o conhecimento como a soma dos resultados de centenas de milhares de anões que, com seus erros e acertos, formam o grande corpo do conhecimento.
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Porém as descobertas mais significativas, inclusive na ciência, são -obviamente - aquelas cujos resultados são amplamente partilhados por populações diferentes em todo planeta. A vacina contra poliomielite prova isso. Assim a pergunta volta ao ponto inicial? À reflexão sobre o discurso que sustenta a ciência, de que produz descobertas para o bem da humanidade, não seria, em si mesmo uma fraude? Afinal, o mundo globalizado o prova, nunca vivemos com tanto aporte científico, tanta tecnologia e tanta exclusão.

Um comentário:

bastos disse...

Não permeia minha mente e, não gostaria q.jamais permeiasse, coisa alguma relacionada a fraude. Face, independente de qualquer espécie de religião, acredito q. Jesus Cristo verteu (derramou)seu sangue na cruz, p/ q. eu me tornasse incorruptível.