A coluna de saúde do site do The New York Times apresentou uma interessante matéria sobre medicamentos genéricos. O foco não esteve, contudo, na diferença de preços e na igualdade de princípios ativos: o foco foi sobre a validade de se poder usar qualquer medicamento genérico em qualquer situação.
Tratada com cautela desde o começo da reportagem, a problemática da eficiência de todos os genéricos é bem controversa. Diversas instituições de controle de qualidade de medicamentos e associações de especialidades médicas aprovam o uso de medicamentos genéricos em sua totalidade, alegando que não há evidências científicas de que medicamentos genéricos possam ter efeitos menores que seus correspondentes originais. Essa posição traz consigo, em um aval comercial, a posição também favorável das seguradoras, que vêem nos genéricos excelentes fontes de economia.
A grande questão, vê-se ao longo da matéria, é que, embora os medicamentos genéricos tenham o mesmo princípio ativo, com a mesma eficácia em níveis sanguíneos com faixa de variação controlada, nem todos os medicamentos parecem obter o efeito da marca original. Citado como exemplo, o medicamento genérico Budeprion XL 300, um anti-depressivo, parece ter efeitos colaterais diversos da forma original, com os pacientes que fazem uso dele percebendo as mudanças e chegando até a regredir a estados pré-medicamentosos em seus quadros de depressão e bipolaridade.
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Além dos medicamentos receitados por neurologistas, aqueles receitados por cardiologistas também parecem ter algumas diferenças sutis, mas importantes, das marcas originais. E é aí que reside a principal diferença: para questões neurológicas e cardíacas, sutis mudanças de níveis sanguíneos podem ter efeitos devastadores.
A reportagem ainda traz uma questão interesante: a de quanto de variação existe quando se fala de “genéricos”. Os níveis sanguíneos para os medicamentos são controlados com aceitação de variação, em relação ao medicamento original, de 80 a 125%, sendo a média dos medicamentos disponíveis 3,5%. Mesmo sendo o parâmetro baseado nos níveis sanguíneos, uma das dúvidas que existe é sobre a absorção: há a possibilidade de os diferentes efeitos observados para alguns genéricos serem devidos a taxas diferentes de liberação de princípios ativos, mesmo o nível sanguíneo, depois de algumas horas, atingindo valores padrão para todos. Existem diferenças nesses quesitos não só quando se compara genéricos com originais, mas também quando se compara genéricos com genéricos – e deve-se lembrar que o consumidor quase nunca é avisado que existe essa diferença.
Link da matéria original:
Estêvão Cubas R.
4 comentários:
Parabéns pela informação. Muito interessante.
Algumas referências úteis sobre o que foi simplificado na reportagem:
"Bioequivalência Relativa
Duas formulações (dois medicamentos) são consideradas bioequivalentes se o intervalo de 90% de confiança da razão das médias de AUC e Cmax para a formulação teste e de referência se enquadram num limite pré-estabelecido, geralmente entre 80-125%. Os estudos de bioequivalência são necessários durante a investigação clínica de um novo medicamento para garantir que as diferentes formulações utilizadas nos grupos de testes clínicos têm características farmacocinéticas similares; assim como quando mudanças significativas na tecnologia de produção ocorrem após a aprovação do fármaco, e na aprovação de medicamentos genéricos introduzidos após o término da exclusividade do medicamento inovador."
ATKINSON, Arthur J. Drug Absorption and Bioavailability. In: ATKINSON, Arthur J. et al. Principles of Clinical Pharmacology. 2nd ed. Elsevier, 2007. p. 37-47.
"Biodisponibilidade relativa (Bioequivalência)
A bioequivalência entre medicamentos administrados pela mesma via extravascular pode ser avaliada pela comparação de parâmetros farmacocinéticos relacionados à biodisponibilidade, ou seja, à quantidade absorvida e à velocidade do processo de absorção. Compara-se dois produtos, administrados por via extravascular, tendo um deles como referência.
Medicamentos bioequivalentes são equivalentes farmacêuticos (mesma forma farmacêutica e quantidade do mesmo princípio ativo) que, ao serem administrados na mesma dose molar, nas mesmas condições experimentais, não apresentam diferenças estatisticamente significativas em relação à biodisponibilidade.
Medicamento genérico é um medicamento similar a um produto de referência ou inovador, que pretende ser com este intercambiável, geralmente produzido após expiração ou renúncia da proteção patentária ou de outros direitos de exclusividade, comprovada a sua eficácia, segurança e qualidade, e designado pela DCB ou, na sua ausência, pela DCI."
Manual de Boas Práticas em Biodisponibilidade: Bioequivalência. ANVISA 2002*
Recomendo o livro da série Ciências Farmacêuticas da FCF-USP lançado ano passado chamado BIOFARMACOTÉCNICA (=Biofarmácia), é escrito por professores renomados no assunto (farmacêuticos e estatísticos doutores e/ou pós-doutores no assunto), que eram consultores da ANVISA na época em que não haviam funcionários treinados para analisar os estudos de Bioequivalência. A autora principal do livro é a Profª Drª Sílvia Storpirts da FCF-USP.
*Nessa reportagem recente, a ANVISA se contradiz em relação ao material elaborado por ela própria:
"Fabricantes defenm os medicamentos similares
Contestados por médicos, fabricantes de remédios similares defendem produto"
http://noticias.r7.com/saude/noticias/contestados-por-medicos-fabricantes-de-remedios-similares-defendem-produto-20100530.html
Att.,
Leonardo S. Abreu
ERRATA
Onde se lê "Bioequivalência Relativa" no primeiro texto, leia-se BIODISPONIBILIDADE RELATIVA
Att.,
Leonardo
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