sexta-feira, 9 de julho de 2010

Pós-graduação e desenvolvimento nacional


O Prof. Marcelo Hermes enfiou o dedo na ferida de um assunto extremamente complexo e que tem raízes muito profundas que se afundam no tipo de sistema social, político e administrativo que temos O problema tem origens na história social e política do Brasil.

Não vou usar dos argumentos do tipo Ad hominem. Para os que não sabem o que é isso em latim quer dizer o uso de argumentos atacando a pessoa e não as idéias expostas. Muitos fazem isto quando não tem argumentos ou sabem do problema, mas estão tão envolvidos nele que não querem se comprometer com Possíveis soluções. Posso discordar com o Prof. Hermes em outras coisas e na maneira como expões os seus argumentos, mas o fato denunciado não. Realmente todo o educacional brasileiro está com sintomas claros de doença.

Concordo com o Professor Marcelo Hermes de que a pós-graduação brasileira está doente. Não diria que é um doente terminal, mas, como está, vai ter resultados nefastos para o desenvolvimento do pais nas próximas décadas.

A meu ver as causas são muito mais profundas. Tentarei resumir em duas vertentes principais. Uma vertente social e outra mais de ordem política embora as duas vertentes se interagem.

Em primeiro lugar não temos um projeto de Nação.

Apesar disso o Brasil é verdadeiramente um Estado-nação, tem coesão interna, uma língua só, diferenças regionais que não chegam a serem fatores de divisão, embora com níveis de desenvolvimento muito desiguais.

Nos anos 70, no ciclo de governos militares havia um projeto de Nação. Todos os recursos, estratégias, programas, políticas públicas se orientaram para um determinado projeto. Foi feito a revelia de alguns (observem que digo alguns) e pode ser criticado nesse aspecto e até nos métodos e nas conseqüências como a repressão política, o crescimento brutal da dívida externa, inflação, etc. O problema da dívida externa começou antes, com Juscelino Kubitschek. Mas existia um projeto que foi abraçado pela maioria da classe média e o resto seguiu no cortejo sem grandes empecilhos a não ser nos sindicatos mais organizados.

Quando veio a democracia, as mesmas figuras políticas que faziam a corte dos generais continuaram se apropriando do espaço político. O loteamento da máquina do Estado para favorecer interesses privados continuou como continua até hoje. Mais de 20.000 cargos de confiança federais testemunham isso. Muda-se o governo federal ou local muda até o Presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, ou do INMETRO cargos que nunca deveria ser atrelado á política. Deveria ser concedido aos técnicos de reconhecido saber administrativo e técnico-científico.

Para ter uma idéia de como seria a Política científica de uma Nação eu acho que, todos nós, cidadãos comuns, professores, pesquisadores deveríamos saber para que horizonte a Nação se encaminhe.

É uma Nação que pretende ter cidades minimamente organizadas, com transportes eficientes e ambientes salutares e aconchegantes, que pretende se industrializar em alta tecnologia, produzir alimentos industrializados com alto valor agregado para abastecimento interno e exportação, que pretende continuar com uma matriz energética dominante de energias renováveis? É isso mesmo? Ou o que?

Em função dessas definições. Quantos advogados necessitamos? Todos esses milhares e milhares que se formam todos os anos são necessários? Sem demérito para a profissão advocatícia, para que servem tantos bacharéis em Direito? Por que na minha família só consigo perceber um sobrinho que, provavelmente será um gênio da Informática?

Ou de todos os alunos que orientei ou lecionei, só alguns viraram empreendedores explorando os seus conhecimentos em empresas próprias sendo que o resto continua fazendo concurso trás concurso sem conseguir passar? Será que algum dia aparecerá um Steve Jobs da Silva no Brasil que não seja de família nobre ou termine trabalhando na empresa da família? Vejam como é retratada uma empresa brasileira na novela das 8. Uma matrona comanda os filhos confabulam para ter o poder. Parece e deve ser inspirada nas tragédias de William Shakespeare como MacBeth. Até certos jogadores de futebol acreditam que são reis acima da Lei e mandam matar os desafetos como fazia Lady MacBeth encomendando mortes de príncipes, filhos de príncipes, etc.

Esta semana um amigo, ex-orientando meu, me contou um lance que mostra bem como muito egressos da UnB não estão preparados para a vida e muito menos para uma atividade profissional adulta. Este amigo, dono de uma empresa de serviços tecnológicos contratou um recém formado da UnB para determinadas tarefas. O contrato estipulava que, caso o desempenho dele não fosse satisfatório para as tarefas encomendadas, ele receberia uma percentagem menor do salário estipulado que seria descontado na rescisão do contrato se fosse por justa causa.
.
Pois bem. O recém formado foi uma calamidade de incompetência, infantilismo e até de falta de bom senso. O contrato foi rescindido, recebeu com desconto devido aos inúmeros erros cometidos que custaram um bom dinheiro a firma para a sua correção. Chegou para reclamar e quando recebeu as explicações agiu como menino malcriado que tiraram o brinquedo, começou a gritar, espernear, fazer escândalo: eu vou falar mal de você e de sua firma!. Em resumo: uma personalidade incapaz de assimilar uma frustração e aprender com isso. Claro que esta reação emocional irracional não é resultado só de uma formação deficiente universitária. Tem a ver com falta de limites na família, falta de orientação, super-protecionismo familiar, etc. Etc. Mas isso não tira o demérito de que a nossa universidade formou uma pessoa incapaz de exercer as funções para as quais lhe foi concedido um Diploma. Diploma que não é Alvará de Privilégio ou Título Nobiliário como muitos ainda pensam. Um Diploma é uma Certidão de aptidão e nada mais.

Os cidadãos comuns e o resto da nação chamada Coréia do Sul sabiam, nos anos 50 e 60, que o Pais se encaminhava a ser uma Nação industrializada com alta tecnologia. Assim todas as famílias se sacrificaram durante uma geração para dar uma educação de base. As famílias coreanas não deram carro do ano aos 18 anos porque passou no Vestibular ou encaminhou as suas poupanças para o crescimento do patrimônio imobiliário familiar. Gastaram em livros, escolas e canetas. Hoje importamos os seus carros, TVs, produtos eletrônicos.

Relacionado com isso eu vejo tristemente como se festeja uma entrada na universidade pelos vestibulandos. Como se isso fosse um ganho de loteria. Ganhei! Agora vou subir na escala social! Vou poder fazer um concurso ganhar uma graninha sem muito esforço e sem ter que usar as mãos! Sobretudo se é Medicina!! Quando caem na real no recebimento do Diploma vem a frustração.

Muita gente vê o diploma como se fosse um imóvel. Comprei-o, agora vou alugar! Vou fazer uma reforminha aqui ou ali no diploma (como fazer uma especialização) e pronto! Estou feito na vida! Ledo engano.

Resumindo até aqui: para começar temos que fomentar a extinção da mentalidade patrimonialista herdada do feudalismo, que ainda não acabou no Brasil.

Outro aspecto é aquele relacionado com a politização da vida acadêmica e do fomento a ciência e tecnologia. Aos reitores, como os da UnB, lhes interessa agradar e não fazer nada contra os estudantes baderneiros que ocupam salas de aula para fazerem festas. Perdem votos com isso. Explica para o reitor da Université Paris II ou ao de Harvard que os funcionários da UnB estão parados há meses!! Nem o acadêmico francês nem o alemão, nem o britânico entenderiam o que acontece por aqui. Como é que é? Centros de diversão e bebida irrestrita encostados nas salas de aula e nas secretarias dos Departamentos???

Ao administrador nos altos escalões das CAPES, CNPq, etc. o que lhe interessa é ter números para ser re-encaminhado pelo poder político de turno. Número de papers, índices que nada dizem do conteúdo dos papers. Conteúdo do que se faz é completamente irrelevante. “Nunca antes nesse pais” houveram tantos matriculados no ensino Básico ou na Pós graduação!! E dai? Qual é o suco que sai dessa fruta?

A Nação domina ou vai dominar a tecnologia comercial de extração de álcool da celulose? Ou é capaz de produzir a maior parte dos medicamentos essenciais? Quais são as os prazos para atingir determinadas metas de desenvolvimento tecnológico.

Quantas Faculdades de Direito vamos fechar e quantos Cursos de Física de matérias ou de Tecnólogos metalúrgicos ou cerâmicos vamos abrir para, em determinado prazo possamos construir motores e peças mecânicas de cerâmicas?

Não estou falando que as Ciências Humanas tenham que acabar. Muito pelo contrario. Elas são fundamentais para nos conhecermos como pessoas e como sociedade. A cultura humanista é importantíssima para nos situar no mundo, ter referências, saber como agir. Sobretudo se o País se abrir mais para o mundo conhecer o que acontece aqui e no resto do mundo é útil desde uma viagem de turismo até pra afazer negócios. Ainda vivemos muito nos olhando para dentro. Eu vejo as caras de espanto e estranheza de meus alunos quando conto alguma experiência vivida fora ou as que eu tenho do meu lugar de nascença. Ainda temos que avançar muito nesse aspecto de cultura geral. Mas, se o pais quer atingir determinadas metas desenvolvimentistas, tem que equilibrar o numero de formados. Mais engenheiros e cientistas e menos bacharéis

Em matéria de Planejamento Energético, por exemplo, só muito recentemente se recomeçou a re-pensar o assunto. Um assunto em que as decisões de hoje só vão repercutir em uma ou duas gerações. Não sabemos se as jazidas de petróleo do Pré-sal são comercialmente exploráveis, mas os políticos se digladiam e quase se matam entre eles para partilhar um recurso financeiro hipotético. E ainda para piorar as coisas, falam de que, agora sim! Vamos solucionar o problema da educação e saúde pública do Brasil!! Quanta hipocrisia!!

Finalizando. O problema é mais embaixo e todos temos responsabilidade. Os pais dos alunos também. Tenta reprovar alguém a ver o que acontece! Tenho amigos que lecionam em universidades privadas de Brasília. Pais indo reclamar para o professor que tem que aprovar o filho(a) ou filha, coitadinho!! Ou professores que perderem o cargo porque certo aluno não gostava dele.

Felizmente na Universidade estatal ainda não temos esse tipo de pressão.

Por enquanto!!

Mas felizmente “nem tudo está podre no reino da Dinamarca” (outra vez Shakespeare) existem mentes que vem os problemas e que os apontam. Talvez assim consigamos ver quais são as soluções.

Prof. Juan José Verdesio (UnB)

Nenhum comentário: