Entrevista com o Prof. Dianese (do IB, UnB), realizada por email, entre os dias 10 e 12 de setembro de 2008. O papo virtual se iniciou bem sério, e depois relaxou. No final, o Dianese fala um pouco de si.
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MHL (10/09 - 5:10 PM): Professor Dianese, foi mesmo o senhor que interpelou o MPF com respeito ao processo eleitoral na UnB ?
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Dianese (10/09 - 8:32 PM): Sim, fui eu mesmo. Gostaria de saber por que ?
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MHL (10/09 - 9:13 PM): Sim, muito ! E quais foram os seus motivos ?
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Dianese (10/09 - 11:05 PM): O motivo é um único, cristalino e simples. Qualquer pessoa alfabetizada saberá interpretar o texto da Lei n.º 9.192/95, ainda vigente, a qual estabelece em seu art. 16, inciso III: “em caso de consulta prévia à comunidade universitária, nos termos estabelecidos pelo colegiado máximo da instituição, prevalecerão a votação uninominal e o peso de setenta por cento para a manifestação do pessoal docente em relação à das demais categorias”. O Direito na maioria das vezes não se comporta como uma ciência exata, mas no caso presente não há como fugir, setenta por cento é setenta por cento. O CONSUNI falhou ao não obedecer a Lei e deu com isso um mau exemplo aos nossos alunos, a Brasília e ao Brasil.
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Além disso, o Estatuto da UnB, o qual tem peso de Lei, diz em seu Art. 70: “O Colégio Eleitoral Especial (no caso o CONSUNI) a que se refere o inciso I do art. 16 da Lei n. 5.540, de 28 de novembro de 1968, deve consultar a comunidade universitária para subsidiar a sua votação”.
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Ora se o Estatuto diz que o Colegiado deve consultar a Comunidade, esta consulta tem de ser feita e para isto ela tem de se enquadrar na Lei vigente e não pode ser delegada a outros.
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MHL (11/09 - 10:01 AM): Fale mais, para nossos internautas da, da sua visão desta Lei 9.192/95.
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Dianese (11/09 - 5:36 PM): No meu entender, a Lei Lei n.º 9.192/95 é sábia, pois dá mais responsabilidade na escolha, às pessoas dentre as quais está o futuro Reitor. A razão pela qual o Reitor deve ser um professor e não um aluno, ou um servidor técnico-administrativo não carece ser enfatizada. A Lei tenta minimizar os males que a eleição tipo-MUNICIPAL tem causado às Universidades Federais Brasileiras, cerceando pelo menos em parte o apelo à demagogia, mais facilmente vitoriosa em um sistema de voto paritário.
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O sofrimento das universidades é fruto de um fato óbvio: as eleições são do estilo interior-bravo, baseadas na ação de cabos eleitorais, ou mais gentilmente chamados de apoiadores. Os mais vibrantes cabos nem sempre se tratam dos membros mais competentes do corpo docente da universidade. Vencida a eleição muitos deles nos segmentos docente e técnico-administrativo terão presença assegurada na nova administração.
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Como os reitores candidatos à re-eleição sempre foram reeleitos Brasil afora, jamais perderam e, mais ainda, os reitores sempre fazem seus sucessores, a equipe dita apoiadora tende a se manter no poder por longos anos. Na UnB foi o caso do Prof. Lauro, reeleito, e que depois fez seu sucessor, o Prof Timothy - que foi vice-reitor por 8 anos.
Isto tudo se deve a um fato contundente: o compromisso dos reitoráveis é com a instituição, mas sem desprezar seus compromissos eleitorais, o que é louvável dizem muitos, considerando o sistema, o qual é basicamente o mesmo usado para eleger o prefeito de um vilarejo qualquer.
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Assim, a Lei em seu formato atual absolutamente não resolve o problema. Este assunto necessita voltar ao Congresso Nacional para se adequar à realidade acadêmica das nações desenvolvidas, pois, como seres humanos, não necessitamos re-inventar tudo, mas sim usar as experiências de sucesso que outros povos mais evoluídos já implantaram e que funcionam. Copiamos tanta coisa ruim do exterior, não há porque não adotar o obviamente correto para nossa academia.
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MHL (12/09 - 6:22 AM): Fale de sua visão do processo de escolha de Reitor no exterior, em lugares como Yale por exemplo.
Dianese (12/09 - 9:40 AM): No mundo evoluído, Reitores são contratados muitas vezes fora das lides internas da universidade baseado em critérios competitivos e meritocráticos. Muitas vezes a universidade contrata head-hunters para procurar as melhores pessoas para o cargo. Isso é muito comum no Canadá e Estados Unidos.
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Para o Brasil, o ideal seria criar-se em Lei um novo sistema. Por exemplo, uma Comissão encabeçada talvez pelo Presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e composta de mais 10 membros sorteados cada um de uma das diferentes áreas representadas na ABC. Apesar de nem todos nossos acadêmicos serem nota 10, o grande número de membros iria garantir uma escolha meritocrática e seria feita a partir de uma lista de inscrição aberta nacionalmente através de publicação no Diário Oficial da União.
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Sonhando um pouco mais, poder-se-ia ampliar a comissão e até solicitar a participação de uns poucos laureados (Prêmios Nobel, por exemplo) para auxiliar à Comissão na formação de um banco de currículos de futuros reitores e com isto atender à demanda nacionalmente.
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Em minha opinião, o melhor seria que o Reitor não fosse um professor da própria Instituição, pois assim o compromisso dele seria só e exclusivamente com a universidade, pois neste sistema não existem cabos eleitorais e nem apoiadores e também não existe nem situação nem oposição. Seria um contrato por tempo indeterminado, sem mandato definido, podendo o Reitor ser demitido se não funcionar, ou em caso contrário, mantido por muitos anos. Internacionalmente, eleição de reitores é algo inimaginável em universidades de peso. No Brasil, a Lei n.º 9.192/95 tenta minorar os efeitos de eleições desnecessárias, porém, caso o Congresso não re-examine o assunto, seguramente na próxima eleição haverá um movimento sério no sentido de que a eleição seja universal: cada indivíduo um voto, independentemente do segmento da comunidade universitária.
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Pensando bem, não há razão para se treinar eleição para Reitor na universidade em um país profundamente democrático como o Brasil, somos cidadãos integrais. A universidade não pertence às comunidades que a habitam, somos servidores responsáveis pela formação de nossos alunos, os cidadãos que irão herdar o Brasil. A universidade é mantida pelo contribuinte e nela felizmente gozamos de plena liberdade acadêmica. Nossos colegiados são abertos e neles todos os segmentos estão representados. Ninguém jamais interferiu limitando minhas atividades de professor e pesquisador e estou seguro de que isto é verdade para todo o corpo docente da UnB.
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Agora, não se pode pensar a UnB como um país livre dentro do Brasil: somos obrigados a cumprir as leis, inclusive aquelas que nós mesmos escrevemos, ou seja nosso Estatuto.
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MHL (12/09 - 11:02 AM): Bem, de acordo com o que saiu hoje no CORREIO, as eleições irão de fato acontecer. O senhor votaria em alguma chapa ?
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Dianese (12/09 - 11:07 AM): Claro, como sempre vou escolher a chapa que considerar melhor para a UnB, mesmo com o peso de meu voto depreciado em mais de 50% pelo sistema em curso que lamentavelmente fere o espírito da Lei ao contorná-la sem maior sutileza, mas que será seguramente endossado pelo CONSUNI. Professores e estudantes dispersam seus votos, porém os servidores técnico-administrativos são mais corporativizados, por isso poderão fazer o novo Reitor principalmente se houver um segundo turno.
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Nada de pessoal, pois jamais tive qualquer problema com os candidatos, torço para que a paridade não afete negativamente a qualidade do Reitor escolhido. Após a apuração, seria interessante ver se o Reitor eleito o seria também sob a plena luz da Lei - ou seja, com o peso de 70% para os professores. Torço para o novo Reitor, qualquer que seja ele, traga progresso para nossa UnB
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MHL (12/09 - 10:10 AM): O que o senhor pensa da proposta (de um certo grupo) de se criar uma Uni-MST aqui no Distrito Federal, possivelmente atrelada à UnB ?
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Dianese (12/09 - 10:12 AM): Uma universidade apenas para o MST: uma anomalia e totalmente inconstitucional. O necessário mesmo é um investimento federal forte, ao nível de segundo gráu, dirigido a pessoas de baixa renda em geral para assegurar acesso dos jovens à Universidade. Propostas corporativistas não fazem sentido. Daqui a pouco ouviremos propostas para a criação da Uni-Caixa (apenas para funcionarios da Caixa), ou mesmo Uni-PT (apenas para filiados) - tudo sustentado pelo contribuinte.
MHL (12/09 - 10:23 AM): O sr. é chamado pelos corredores da UnB de "timotista" - termo que cunhei em 2007. É verdade ?
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Dianese (12/09 - 10:30 AM): Marcelo, meus quase 40 anos de UnB me imunizam contra qualquer adjetivo. Eu sou o que eu sou e procuro mostra-me o mais transparente possível. Às vezes pago por isto e sou tratado com preconceito mesmo entre colegas, mas isto faz parte da vida.
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Um conselho: esqueça o Prof. Timothy. Deixe ele para o passado.
MHL (12/09 - 11:35 AM): Obrigado pelo "advice" sobre o Timothy. Minha namorada já não suporta ouvir seu nome quando saimos !
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Para terminar, fale para nós um pouco de sí, de sua carreira.
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Dianese (12/09 - 3:30 PM - respondido na 3a pessoa)
Trata-se de um brasileiro que serve a UnB há 38 anos e que, apesar de um PhD pela Univ. da Califórnia, tem o orgulho mesmo é de ter construído todo o seu currículo nos laboratórios aqui do Minhocão. Suas pesquisas com fungos do Cerrado, obtiveram algum relevo internacional, pois o mesmo é hoje o único estrangeiro membro do Mycology Commttee da American Phytopathological Soc., o único brasileiro duas vezes membro do Executive Committee da International Mycological Association e da International Comission on Fungal Taxonomy; Presidente da Associação Latino-Americana de Micologia (2002-2005); ex-Vice-Presidente da Sociedade Brasileira de Micologia e Presidente do Congresso Brasileiro de Micologia a ser realizado em Brasília em 2009. Jamais se candidatou ou pretende se candidatar a qualquer cargo na UnB.
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MHL (12/09 - 4:20 PM): Prof Dianese, muito obrigado pela entrevista.
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Dianese (12/09 - 4:27 PM): Não de quê, Marcelo. Eu que te agradeço por abrir este espaço no blog Ciência Brasil, que é muito lido e comentado em nossa universidade. Sou um leitor assíduo de seu blog.
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