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sexta-feira, 28 de dezembro de 2007
quarta-feira, 26 de dezembro de 2007
domingo, 23 de dezembro de 2007
Metabolismo humano após 3 dias sem comer
Efeito de três dias de jejum - gordura regional e uso de glicose – sobre o músculo e tecido de armazenamento de gordura.
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É comum nos dias atuais escutar um indivíduo dizer “vou parar de comer por alguns dias para perder um pesinho”, ou, uma menina que se convence dizendo “não estou com vontade de comer” por medo de engordar e acaba tornando-se anoréxica. Jejum, jejum, jejum... É uma pena de que a saída sempre foi essa, raramente pensa-se em um bom exercício saudável com idéia de perder a gordura da superfície. Mas será que já pararam para pensar por que o músculo não se sobressai já que a gordura superficial foi queimada?
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Uma resposta possível está na curiosa experiência feita recentemente na Dinamarca pelos pesquisadores: J. Gjedsted, L. C. Gormsen, S. Nielsen, O. Schmitz, C. B. Djurhuus, S. Keiding, H. Ørskov, E. Tønnesen e N. Møller.
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Vários cientistas estudaram e estudam o efeito de restrição de dieta no ser humano. Sabe-se que no jejum, o uso de gordura aumenta consideravelmente em decremento do uso de carboidrato (açúcar e outras fontes de glicose), e, por isso usamos o jejum como fonte para emagrecer. Um mecanismo que acontece no corpo é a resistência à insulina – sim, é a mesma insulina que se escuta no dia-a-dia associando-se a diabete, mas na realidade insulina é um hormônio comum no indivíduo, e ela age na regulação energética quando açúcar (glicose) predomina no nosso corpo ajudando o uso dessa glicose para produzir ou energia ou glicogênio (reserva). Com a resistência à insulina a entrada de glicose na célula diminui e conseqüente uso dela também diminui, assim a célula passa a usar a gordura como energia principal. Tudo isso é no geral em corpo como um todo: no geral a gordura é usada, no geral há resistência de insulina, e, repetindo, no geral o uso de glicose diminui.
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O legal da experiência dos cientistas citada anteriormente é a especificidade, a experiência mediu-se a diferença de alguns pontos do corpo humano na queima de gordura e chegou em um resultado mostrando que de fato há diferença na queima. Mediu-se a taxa de uso de gordura no braço e perna em diferentes porções, músculo e em baixo da pele, assim como o uso de gordura na barriga. Resultado: a gordura usada é a que está nos músculos e em menor quantidade, a de barriga, mas há pouca contribuição da gordura de baixo da pele.
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Enfim, a resposta da indagação do primeiro parágrafo é essa, nosso corpo continua “mole” por causa da gordura superficial não desaparecer tão fácil (minhas condolências), a gordura usada é principalmente a do músculo e assim é que nos emagrecemos com jejum.
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Autor da resenha:
Yuho Matsumoto (06/97923) 3o semestre de Medicina
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É comum nos dias atuais escutar um indivíduo dizer “vou parar de comer por alguns dias para perder um pesinho”, ou, uma menina que se convence dizendo “não estou com vontade de comer” por medo de engordar e acaba tornando-se anoréxica. Jejum, jejum, jejum... É uma pena de que a saída sempre foi essa, raramente pensa-se em um bom exercício saudável com idéia de perder a gordura da superfície. Mas será que já pararam para pensar por que o músculo não se sobressai já que a gordura superficial foi queimada?
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Uma resposta possível está na curiosa experiência feita recentemente na Dinamarca pelos pesquisadores: J. Gjedsted, L. C. Gormsen, S. Nielsen, O. Schmitz, C. B. Djurhuus, S. Keiding, H. Ørskov, E. Tønnesen e N. Møller.
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Vários cientistas estudaram e estudam o efeito de restrição de dieta no ser humano. Sabe-se que no jejum, o uso de gordura aumenta consideravelmente em decremento do uso de carboidrato (açúcar e outras fontes de glicose), e, por isso usamos o jejum como fonte para emagrecer. Um mecanismo que acontece no corpo é a resistência à insulina – sim, é a mesma insulina que se escuta no dia-a-dia associando-se a diabete, mas na realidade insulina é um hormônio comum no indivíduo, e ela age na regulação energética quando açúcar (glicose) predomina no nosso corpo ajudando o uso dessa glicose para produzir ou energia ou glicogênio (reserva). Com a resistência à insulina a entrada de glicose na célula diminui e conseqüente uso dela também diminui, assim a célula passa a usar a gordura como energia principal. Tudo isso é no geral em corpo como um todo: no geral a gordura é usada, no geral há resistência de insulina, e, repetindo, no geral o uso de glicose diminui.
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O legal da experiência dos cientistas citada anteriormente é a especificidade, a experiência mediu-se a diferença de alguns pontos do corpo humano na queima de gordura e chegou em um resultado mostrando que de fato há diferença na queima. Mediu-se a taxa de uso de gordura no braço e perna em diferentes porções, músculo e em baixo da pele, assim como o uso de gordura na barriga. Resultado: a gordura usada é a que está nos músculos e em menor quantidade, a de barriga, mas há pouca contribuição da gordura de baixo da pele.
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Enfim, a resposta da indagação do primeiro parágrafo é essa, nosso corpo continua “mole” por causa da gordura superficial não desaparecer tão fácil (minhas condolências), a gordura usada é principalmente a do músculo e assim é que nos emagrecemos com jejum.
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Autor da resenha:
Yuho Matsumoto (06/97923) 3o semestre de Medicina
sábado, 22 de dezembro de 2007
Dieta rica em soja tem ação neuroprotetora ?
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Dieta rica em soja diminui a extensão do infarto depois de oclusão permanente da artéria cerebral média em ratas
Dieta rica em soja diminui a extensão do infarto depois de oclusão permanente da artéria cerebral média em ratas
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Autor principal: D. A. Schreihofer, Dept. of Physiology, Medical College of Georgia, Augusta, Georgia, USA (E-mail: dschreihofer@mail.mcg.edu).
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Já foi demonstrado que o estrógeno é um potencial agente neuroprotetor em casos de acidentes isquêmicos. Entretanto, comprovou-se também que, em humanos, tratamentos com estrógeno pode aumentar os riscos de um derrame. Tendo isso em vista, muitas mulheres têm procurado formas alternativas de reposição hormonal, dentre elas a mais importante é a dieta rica em soja. A soja possui elementos chamados isoflavonas, na qual muitos deles agem como fitoestrógenos - se ligam aos receptores de estrógeno e mimetizam sua ação no organismo. O objetivo do estudo aqui relatado (publicado em 2005 na prestigiosa revista American Journal of Physiology) foi demonstrar que uma dieta rica em soja possui efeitos parecidos com o estrógeno como neuroprotetor no caso de isquemia cerebral focalizada.
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Para tanto, ratas do tipo Sprague-Dawley foram ovarectomizadas, para evitar os efeitos do estrógeno produzido endogenamente, e separadas em três grupos: (i) um grupo que recebeu dieta sem isoflavonas, (ii) outro que recebeu dieta sem isoflavonas, porem com administração de estradiol e (iii) um terceiro grupo que recebeu dieta rica em soja. Duas semanas depois de começarem essas dietas, os animais foram submetidos a uma oclusão permanente da artéria cerebral média. A redução no fluxo sangüíneo cerebral dos entre os grupos foi equivalente. Após vinte e quatro horas da oclusão foram medidos os déficits neurológicos, os animais foram sacrificados e seus cérebros foram para determinar a extensão do infarto cerebral.
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No grupo que recebeu apenas a dieta sem isoflavonas (grupo controle, IF-P, ver figura abaixo), a oclusão arterial provocou um infarto de 50% da massa cerebral. No grupo que recebeu a dieta rica em soja a extensão do infarte foi de 37% (S-P); no grupo que recebeu apenas estrógeno (tendo dieta livre de isaflavonas - grupo IF-E) a área infartada foi de apenas 26%. Ou seja, tanto no grupo do estradiol quanto no da soja a redução na extensão do infarto foi significativa se comparada com o grupo controle. Com relação aos déficits neurológicos, não houve diferenças relevantes entre os 3 grupos.
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Esses dados obtidos demonstram que apenas duas semanas de dieta rica em soja já são eficientes para evitar maiores danos em caso de acidente vascular cerebral. E isso ocorre sem os efeitos nocivos da reposição hormonal com estrógeno (muito bem conhecidos na literatura médica). Estes resultados - obtidos em ratas - sugerem que a soja seria uma alternativa viável para mulheres que precisam de reposição hormonal, como as que estão na menopausa.
Ou seja, se você é uma rata, dieta rica em soja é benéfica para seu cérebro.
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Autores da resenha:
Vinícius Lacerda (estudante de Med. da UnB) e Prof. MHL
sexta-feira, 21 de dezembro de 2007
Sedentarismo e sua relação com a vida intrauterina
Comportamento sedentário durante a vida pós-natal é determinado pelo ambiente pré-natal (vida intrauterina) e exacerbado por uma dieta hipercalórica durante a vida.
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American Journal of Physiology (Regul Integr Comp Physiol) 285: R271–R273, 2003.
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Autor principal: P. Gluckman, FRS, Liggins Institute, Faculty of Medical and Health Sciences, Univ. of Auckland, Auckland, New Zealand (E-mail: pd.gluckman@auckland.ac.nz)
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Nos últimos anos, diversas pesquisas vêm tentando evidenciar uma correlação entre a vida intra-uterina do feto, por meio da dieta da gestante, e o modo de vida pós-natal dos filhotes. Já foi descoberta uma ligação dessa experiência intra-uterina e doenças cardiovasculares e metabólicas durante a vida. Agora, o objetivo dos cientistas é descobrir como esse ambiente fetal possui conseqüências -a longo prazo- nas patofisiologias endócrina e metabólica durante a vida adulta, também conhecido como programação fetal.
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A desnutrição materna durante a gestação leva a uma prole com problemas de obesidade, hipertensão, consumo exagerado de alimentos, elevadas taxas de insulina e leptina (hormônio relacionado com a saciedade), demonstrando uma clara resistência a esses hormônios, entre outros fatores de risco. O experimento em questão - publicado em 2003 no American Journal of Physiology - visa demonstrar como essa desnutrição materna afeta a locomotividade dos filhotes, ou seja, testar o quão sedentários são os filhotes submetidos a essa formação fetal adversa. Para tanto, fecundou-se um grupo de ratas Virgin Winstar, que foram separadas em dois grupos: um que recebeu alimentação à vontade (AD - ad libitum) e outro que recebeu apenas 30 % da quantidade de alimentos do primeiro grupo (UN – do inglês undernourished).
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Ao nascerem, os filhotes das ratas do grupo UN eram significativamente menores que os filhotes do grupo AD. Quando os filhotes foram desmamados, eles foram separados aleatoriamente em dois grupos (independente da dieta das progenitoras): um que recebeu uma dieta controle e outro que recebeu uma dieta hipercalórica. Nos dias 35, 145 e 420 do experimento, foi medida a atividade locomotora desses animais.
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Durante todas as idades analisadas, o grupo que nasceu de mães subnutridas foi significativamente menos ativo (mais sedentário) dos que o da prole que nasceu de mães com dieta normal, independente da dieta que esses filhotes receberam durante a vida pós-natal. Além disso, os ratos de mães subnutridas se alimentavam mais – ou seja, eram mais gulosos – que os de mães com nutrição normal.
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Esse experimento foi o primeiro a separar claramente os efeitos da vida pré-natal dos da vida pós-natal e demonstrar que o modo de vida pode sim ter uma relação com a vida intrauterina. E ainda mais, essa influência da vida fetal pode ser permanente, visto que esses resultados foram obtidos até em ratos com idade avançada. Isso demonstra uma característica evolutiva importante, visto que o ambiente gestacional reflete as características do meio externo e essa programação fetal pode influenciar no comportamento do animal de maneira positiva para adaptá-lo a essas condições adversas.
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A relevancia desses resultados -obtidos em ratos- em seres humanos é debatida neste artigo de 2003. Será que entre os fatores de risco para a obesidade no adulto (humano), poderia-se incluir a desnutrição da mãe do indivíduo? Como as alterações fisiológico-nutricionais na vida da progenitora seriam trasmitidas -do ponto de vista molecular- para o feto e "fixadas" por toda a vida adulta?
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Leia o artigo completo clicando abaixo:
http://ajpregu.physiology.org/cgi/reprint/285/1/R271
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Autores da resenha:
Vinicius Lacerda (estudante de Medicina da UnB) e Prof. MHL
Aspartame causa cancer ? (artigo de 2006)
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Enviromental Health Perspectives, volume 114, 279-385, 2006.
Enviromental Health Perspectives, volume 114, 279-385, 2006.
Autor principal: Morando Soffritti, Cesare Maltoni Cancer Research Center, European Ramazzini Foundation of Oncology and Environmental Sciences, Castello di Bentivoglio, Via Saliceto,
3, 40010 Bentivoglio, Bologna, Italy. E-mail: crcfr@ramazzini.it
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Primeira demonstração experimental dos efeitos carcinogênicos multipotenciais do aspartame administrado na alimentação de ratos Sprage-Dawley.
O consumo cada vez maior de adoçantes artificiais vem causando preocupação entre os consumidores desses produtos. Afinal, eles estão cada vez mais presentes nas dietas para controle da obesidade e diabetes, por exemplo, e várias pesquisas vêm tentando demonstrar que esses adoçantes possuem um potencial cancerígeno. Dentre eles, o mais atacado é o aspartame.
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O aspartame, ao ser metabolizado no trato gastrintestinal, libera metanol. Esse composto se transforma no fígado em formaldeído, que é comprovadamente um agente cancerígeno. Entretanto, diversas pesquisas foram realizadas para demonstrar de forma concreta esse efeito nocivo do aspartame, mas nenhuma delas foi estatisticamente significativa.
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Tendo em vista que a maioria dessas pesquisas não seguiu padrões rígidos pré-estabelecidos e tiveram um espaço amostral reduzido, o Centro de Pesquisas em Câncer Cesare Maltoni realizou um mega experimento utilizando centenas de ratos da espécie Sprague-Dawley. Esses animais foram separados e cada grupo recebeu uma dose progressivamente maior, de zero ppm até 100.000 ppm. O experimento durou até que o último roedor tivesse morrido de forma natural, o que difere dos outros experimentos do gênero. Enquanto os animais iam morrendo, foram retirados diversos cortes histológicos de vários órgãos, entre os mais importantes: pelve renal e ureteres, cérebro, nervos periféricos, sangue, medula óssea, epitélio olfatório, entre outros.
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Esses cortes foram analisados e foi constatada a presença de tumores e células cancerígenas dos mais diversos, como schwanomas, linfomas, leucemias, tumores cerebrais, etc. A proporção de câncer nos animais submetidos a doses elevadas de aspartame foi significativamente maior que no grupo controle (zero ppm), principalmente entre as fêmeas. Os resultados deram ênfase às leucemias e linfomas.
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Portanto, pela primeira vez um experimento sobre aspartame que seguiu normas rígidas demonstrou, de forma estatisticamente significativa, que animais submetidos a dietas com esse adoçante durante toda a vida tiveram incidência maior de câncer do que aqueles do grupo controle. Isso refuta a idéia de que esses adoçantes são perigosos para o consumo humano, e devem ser substituídos por outros sem esse potencial nocivo, como a sacarina, que já é amplamente utilizada.
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autor de resumo:
Vinícius Lacerda Ribeiro (Med 85) - aluno de Medicina da UnB
quarta-feira, 19 de dezembro de 2007
Tema: Príons e infecção
Tema: Galactosemia (aspectos bioquímicos)
Tema: Vegetarianismo
Tema: Fenilcetonúria (ou PKU)
Tema: Aspartame causa cancer ?
domingo, 9 de dezembro de 2007
Grupo de Radicais Livres (2007-2)
Extremos da Tolerância Humana (BioBio 2007-2)
Na imagem estão, da esquerda para a direita: Fernando Henrique (hipotermia e hipertermia), Igor (fome), Frederico (estresse), Mariana (grandes altitudes e hipóxia) e Lucas (vivendo e morrendo pelo etanol). O monitor da equipe é o Marcos (Med 85), de camisa preta.
O grupo deu um show de bola na apresentação !
quinta-feira, 29 de novembro de 2007
Grupo de Exercício - 2007-2
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Na foto, podemos ver, da esquerda para a direita: Cainara, Natalia, Bruna, Paula e Soraya - todas alunas do Curso de Nutrição da UnB.
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Do lado da Soraya está a monitora do grupo (de blusa preta), estudante de Medicina.
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O prof Marcelo Hermes gostou muito da apresentação do grupo - parabens !
quarta-feira, 28 de novembro de 2007
Grupo de Diabetes (BioBio 2007-2)
Grupo de Neurotransmissores (BioBio 2007-2)
Grupo de Bioquímica da Obesidade (BioBio 2007-2)
Grupo de Colesterol (BioBio 2007-2)
Grupo de Corticóides e Hormônios da Tireóide
sábado, 3 de novembro de 2007
Físico discute a ciência e a PG no Brasil
Sociedade Brasileira de Física
Boletim [011/2007]
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Mais do mesmo
por Paulo Murilo Castro de Oliveira
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Colegas da SBF. Segue abaixo a resposta que acabo de enviar ao Diretor de Avaliação da CAPES, cujo conteudo gostaria de compartilhar com todos. O assunto é o mesmo de minhas duas últimas manifestações neste mesmo Boletim, de novembro de 2006 e outubro de 2007.Niterói, 29 de outubro de 2007
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Ao diretor de avaliação da CAPES
com cópia ao Boletim da Sociedade Brasileira de Física
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caro Professor Renato Janine Ribeiro
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Recebi sua simpática mensagem de agradecimentos e congratulações (ofício 25/2007/DAV/CAPES) pelo "excelente e criterioso trabalho realizado" ao julgar as teses de doutoramento candidatas ao prêmio CAPES de 2007. Devo informar, no entanto, que não participei desse julgamento. Certamente houve algum engano por parte da CAPES, e meu nome apareceu numa lista na qual não deveria constar. Compreendo perfeitamente se tratar de um episódio menor, uma falha no sistema automatizado de envio desse tipo de mensagens e ofícios, embora me tenha sido enviada em termos pessoais pelo Diretor de Avaliação da CAPES que certamente acompanhou o trabalho de avaliação e sabe quem o realizou efetivamente, mas foi pego na armadilha. Coisas da eletrônica moderna, cujos resultados devemos sempre ver com cautela e não adotar cegamente. Embora menor, este episódio me move a tecer aqui alguns comentários sobre o sistema geral de avaliação da CAPES e do CNPq (e consequentemente das demais agências de fomento e instituições acadêmicas do país).
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Outro exemplo de sistemas eletrônicos modernos são os programas de computador destinados a realizar a própria avaliação acadêmica, como esse SIR atualmente em uso pelo CTC da CAPES, embora alguns comitês de área da própria CAPES prefiram não adotá-lo. Não sei os detalhes de funcionamento de tal robô, mas certamente ele é alimentado por alguns dados de entrada, por exemplo o peso de cada publicação qualis A, B ou C na avaliação desejada. Certamente também, o resultado final dessa análise robótica depende da escolha dos dados de entrada, e reviravoltas mais ou menos arbitrárias no resultado final poderão ser obtidas num exercício de manipulação desses dados de entrada. Devo crer que tais resultados são tão confiáveis quanto os do sistema de envio automático de mensagens e ofícios da própria CAPES. Não acredito, por outro lado, que os resultados da avaliação robótica sejam mais confiáveis que aqueles obtidos pelo trabalho humano dos assessores, membros dos comitês de área da CAPES, em geral profissionais competentes e com a experiência acadêmica desejada para a função. No entanto, o robô foi usado recentemente pelo CTC, e modificou o resultado da avaliação dos cursos de pós-graduação feita anteriormente pelos citados comitês de área. Muitos cursos tiveram seus graus rebaixados a despeito da recomendação em contrário dos comitês de área. O robô, finalmente, sobrepuja os humanos.
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Em vez disso, o resultado da avaliação feita pelos comitês de área deveria ser analisado sem manipulações, na tentativa de dele se extrairem dados úteis. O fato de haver muitos cursos nos últimos níveis da escala tem um significado importante, ignorado e apagado na "renormalização" perpetrada a posteriori pelo CTC. Significa que esses cursos já se adaptaram às demandas que lhes foram induzidas pela CAPES em seu longevo e bem sucedido programa de avaliação. Significa que novos desafios devem ser oferecidos a esses cursos, para que diversifiquem seu horizonte de atividades e melhor se adaptem às necessidades do país. Em vez disso, a CAPES prefere colocar os cursos em competição mútua, sob os mesmos velhos desafios que já aprenderam a superar, e por isso mesmo se acumulam nas posições mais altas da escala. Nessa estratégia míope, há vários aspectos cruéis que ameaçam o programa de avaliação da CAPES como um todo, depois de tantos anos de sucesso contínuo.
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Um desses aspectos é que não se trata de uma política de inclusão, diversificação e colaboração. Ao contrário, a tendência é a concentração do saber acadêmico, tanto do ponto de vista institucional quanto regional. A diversificação e descentralização desejadas não podem ser induzidas pela associação de um curso de alto nível numa região central com outro iniciante ou de mais baixo rendimento numa região periférica, como incentiva a CAPES, porque depois a própria CAPES põe estes cursos a competir um contra o outro, quando o segundo também atinge o nível mais alto. É uma associação assimétrica desde o nascimento, assimetria que se eterniza pela competição induzida onde não deveria ser.
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Outro aspecto nocivo dessa competição erroneamente induzida pelas agências de fomento é o aparecimento, com freqüência cada vez maior, de práticas condenáveis que vão desde pequenos deslizes até plágios e fraudes. Alguns desses casos têm se tornado públicos ultimamente, devido à posição de seus personagens. Infelizmente a freqüência de tais faltas é muito maior do que nos faz supor o conhecimento de apenas um ou outro episódio.
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Vou citar alguns exemplos, em ordem crescente de gravidade. O líder de um laboratório permite que seu nome seja incluído como autor de todas as publicações daquele laboratório, porque assim vai haver no grupo um pesquisador nível IA do CNPq, exigência de vários programas das agências de fomento, exigência esta baseada na mesma estratégia míope de competição. Outra opção muito difundida é se convidar algum pesquisador IA a emprestar seu nome ao projeto de pesquisa alheio. Há também a chamada corda-de-caranguejo, um pesquisador faz o trabalho de pesquisa, inclui colegas na lista de autores, e com isto recebe regalias da instituição (licenças para viagens, carga horária de aulas reduzida, etc). Há também a manipulação do número de professores do curso de pós-graduação, tira-se fulano e inclui-se sicrano no relatório deste ano. No ano seguinte inverte-se. O curso de graduação da instituição é sempre prejudicado. Trabalhos idênticos ou cópias ligeiramente maquiadas de um mesmo autor ou grupo de autores são submetidos e muitas vezes publicados em diferentes revistas. Autores copiam trechos de publicações alheias, muitas vezes trechos de importância marginal, outras vezes de importância central. Trabalhos inexistentes são colocados na plataforma Lattes, muitas vezes apagados após a avaliação específica do interessado. No nível mais grave vem a leniência das agências de fomento com a ocorrência de tais práticas.
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Talvez o pior aspecto resultante da estapafúrdia competição induzida pelas agências de fomento seja a péssima formação oferecida à grande parte dos pós-graduandos. Posso dar meu testemunho pessoal como participante de inúmeras bancas de concurso na área de Física das melhores instituições do país. Os candidatos, em geral, apresentam ótimas listas de publicações científicas nas melhores revistas. No entanto fracassam em massa quando lhes são propostas questões básicas sobre conceitos fundamentais que qualquer professor de Física deve necessariamente dominar. Isto acontece porque o estudante é muitas vezes treinado para realizar com sucesso apenas aquelas tarefas diretamente ligadas com as publicações que resultarão de seu trabalho, em colaboração com seu orientador. A formação geral, sólida, nos conceitos fundamentais de sua disciplina, é relegada a segundo plano frente à premência da publicação. Os estudantes são aprendizes de feiticeiro a repetir involuntariamente a prática profissional deturpada que as agências de fomento induziram nas mentes de seus orientadores. É uma perigosíssima bola de neve.
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Todo esse cenário se torna dramático quando leio no texto assinado pelo Diretor de Avaliação da CAPES, publicado no Jornal da Ciência, entre outras declarações ufanistas, a de que "a produção científica brasileira cresceu nove vezes em 20 anos". O que significa esta cifra? Qual percentagem desse aumento corresponde realmente a inovações científicas? Qual é proveniente apenas da prática de imitação? Qual percentagem corresponde à multiplicação artificial de artigos num mesmo tema? Qual percentagem corresponde a plágios, fraudes, etc? Como têm crescido estas percentagens, e como esse crescimento se relaciona com a política indutora da competição entre pesquisadores e entre cursos de pós-graduação?
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Um outro sistema eletrônico/robótico introduzido por nossas agências de fomento é a Plataforma Lattes, que pessoalmente classifico como uma farsa (pobre Professor Lattes, que merecia homenagem melhor). Tenho feito uma pergunta simples a mais de uma centena de colegas acadêmicos, a maioria bolsistas de pesquisa do CNPq: Você sabe quantas pessoas têm seu currículo depositado na Plataforma Lattes? A resposta é invariavelmente "Não sei". Resposta esperada, quando formulada por cientistas, porque esse número é completamente irrelevante para o desenvolvimento da ciência no país. Então insisto: Dê um palpite! Como resposta, recebo cifras tipicamente na casa dos 10 mil, 20 mil. O recorde foi 100 mil. Recentemente o CNPq anunciou em tom igualmente ufanista que a Plataforma Lattes ultrapassou a incrível marca de um milhão de currículos depositados. Escrevo por extenso, um milhão, para evitar mal-entendido. Tal cifra é pelo menos uma ordem de grandeza superior à mais otimista estimativa do número de pessoas que participam do trabalho de pesquisa científica no país, incluindo aí os bolsistas de pesquisa do CNPq, outros tantos pesquisadores produtivos que merecem a mesma bolsa, mas o sistema está saturado, os bolsistas de pós-graduação, os de iniciação científica, os técnicos de laboratório, etc. A farsa, infelizmente, não é apenas numérica. O CNPq obviamente não tem condições de gerenciar a veracidade das informações veiculadas na Plataforma Lattes. São de responsabilidade do usuário, anuncia o CNPq para se livrar de sua própria responsabilidade. No entanto, sendo estas informações veiculadas pela agência oficial de fomento à pesquisa científica, passam a ser padrão de avaliações não só do próprio CNPq como das diversas outras agências de fomento (CAPES inclusive) e instituições acadêmicas. A chancela do CNPq empresta aparente credibilidade às informações contidas na Plataforma Lattes, mas o CNPq não pode se responsabilizar por sua veracidade. Cientes desta arapuca, os dirigentes do CNPq resolveram contratar uma firma americana para "certificar" os currículos depositados na Plataforma Lattes, seja lá qual for o significado do termo, "certificar". Quem "certifica" o serviço prestado pela citada firma americana? Talvez, se a Plataforma Lattes se restringisse aos verdadeiros participantes do esforço científico nacional (todos, embora poucos), o CNPq pudesse, ele próprio, verificar a veracidade das informações, e então estaria prestando um verdadeiro serviço ao país.
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Finalizo por enfatizar que estas minhas críticas devem ser encaradas dentro do espírito construtivo segundo o qual as formulei. Meu objetivo é que o sistema de avaliação científica do país, capitaneado por CAPES e CNPq, seja modernizado, que não se limite às políticas vigentes de "conta-paper" e "conta-parâmetro-de-impacto", já obsoletas no atual estágio da atividade científica no país. Funcionaram muito bem num estágio anterior, enquanto essa agora ufanisticamente propalada "competitividade" não se fez necessária devido ao pequeno número de pessoas envolvidas. A continuação dessas políticas, que sequer são recicladas, gera, agora, todas as distorções que descrevi acima, e muitas outras. É preciso que se mude qualitativamente a forma de avaliar a atividade científica no país, não aumentar cegamente os mesmos desafios numéricos de sempre, mais do mesmo.
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Atenciosamente
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Paulo Murilo Castro de Oliveira
Boletim [011/2007]
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Mais do mesmo
por Paulo Murilo Castro de Oliveira
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Colegas da SBF. Segue abaixo a resposta que acabo de enviar ao Diretor de Avaliação da CAPES, cujo conteudo gostaria de compartilhar com todos. O assunto é o mesmo de minhas duas últimas manifestações neste mesmo Boletim, de novembro de 2006 e outubro de 2007.Niterói, 29 de outubro de 2007
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Ao diretor de avaliação da CAPES
com cópia ao Boletim da Sociedade Brasileira de Física
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caro Professor Renato Janine Ribeiro
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Recebi sua simpática mensagem de agradecimentos e congratulações (ofício 25/2007/DAV/CAPES) pelo "excelente e criterioso trabalho realizado" ao julgar as teses de doutoramento candidatas ao prêmio CAPES de 2007. Devo informar, no entanto, que não participei desse julgamento. Certamente houve algum engano por parte da CAPES, e meu nome apareceu numa lista na qual não deveria constar. Compreendo perfeitamente se tratar de um episódio menor, uma falha no sistema automatizado de envio desse tipo de mensagens e ofícios, embora me tenha sido enviada em termos pessoais pelo Diretor de Avaliação da CAPES que certamente acompanhou o trabalho de avaliação e sabe quem o realizou efetivamente, mas foi pego na armadilha. Coisas da eletrônica moderna, cujos resultados devemos sempre ver com cautela e não adotar cegamente. Embora menor, este episódio me move a tecer aqui alguns comentários sobre o sistema geral de avaliação da CAPES e do CNPq (e consequentemente das demais agências de fomento e instituições acadêmicas do país).
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Outro exemplo de sistemas eletrônicos modernos são os programas de computador destinados a realizar a própria avaliação acadêmica, como esse SIR atualmente em uso pelo CTC da CAPES, embora alguns comitês de área da própria CAPES prefiram não adotá-lo. Não sei os detalhes de funcionamento de tal robô, mas certamente ele é alimentado por alguns dados de entrada, por exemplo o peso de cada publicação qualis A, B ou C na avaliação desejada. Certamente também, o resultado final dessa análise robótica depende da escolha dos dados de entrada, e reviravoltas mais ou menos arbitrárias no resultado final poderão ser obtidas num exercício de manipulação desses dados de entrada. Devo crer que tais resultados são tão confiáveis quanto os do sistema de envio automático de mensagens e ofícios da própria CAPES. Não acredito, por outro lado, que os resultados da avaliação robótica sejam mais confiáveis que aqueles obtidos pelo trabalho humano dos assessores, membros dos comitês de área da CAPES, em geral profissionais competentes e com a experiência acadêmica desejada para a função. No entanto, o robô foi usado recentemente pelo CTC, e modificou o resultado da avaliação dos cursos de pós-graduação feita anteriormente pelos citados comitês de área. Muitos cursos tiveram seus graus rebaixados a despeito da recomendação em contrário dos comitês de área. O robô, finalmente, sobrepuja os humanos.
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Em vez disso, o resultado da avaliação feita pelos comitês de área deveria ser analisado sem manipulações, na tentativa de dele se extrairem dados úteis. O fato de haver muitos cursos nos últimos níveis da escala tem um significado importante, ignorado e apagado na "renormalização" perpetrada a posteriori pelo CTC. Significa que esses cursos já se adaptaram às demandas que lhes foram induzidas pela CAPES em seu longevo e bem sucedido programa de avaliação. Significa que novos desafios devem ser oferecidos a esses cursos, para que diversifiquem seu horizonte de atividades e melhor se adaptem às necessidades do país. Em vez disso, a CAPES prefere colocar os cursos em competição mútua, sob os mesmos velhos desafios que já aprenderam a superar, e por isso mesmo se acumulam nas posições mais altas da escala. Nessa estratégia míope, há vários aspectos cruéis que ameaçam o programa de avaliação da CAPES como um todo, depois de tantos anos de sucesso contínuo.
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Um desses aspectos é que não se trata de uma política de inclusão, diversificação e colaboração. Ao contrário, a tendência é a concentração do saber acadêmico, tanto do ponto de vista institucional quanto regional. A diversificação e descentralização desejadas não podem ser induzidas pela associação de um curso de alto nível numa região central com outro iniciante ou de mais baixo rendimento numa região periférica, como incentiva a CAPES, porque depois a própria CAPES põe estes cursos a competir um contra o outro, quando o segundo também atinge o nível mais alto. É uma associação assimétrica desde o nascimento, assimetria que se eterniza pela competição induzida onde não deveria ser.
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Outro aspecto nocivo dessa competição erroneamente induzida pelas agências de fomento é o aparecimento, com freqüência cada vez maior, de práticas condenáveis que vão desde pequenos deslizes até plágios e fraudes. Alguns desses casos têm se tornado públicos ultimamente, devido à posição de seus personagens. Infelizmente a freqüência de tais faltas é muito maior do que nos faz supor o conhecimento de apenas um ou outro episódio.
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Vou citar alguns exemplos, em ordem crescente de gravidade. O líder de um laboratório permite que seu nome seja incluído como autor de todas as publicações daquele laboratório, porque assim vai haver no grupo um pesquisador nível IA do CNPq, exigência de vários programas das agências de fomento, exigência esta baseada na mesma estratégia míope de competição. Outra opção muito difundida é se convidar algum pesquisador IA a emprestar seu nome ao projeto de pesquisa alheio. Há também a chamada corda-de-caranguejo, um pesquisador faz o trabalho de pesquisa, inclui colegas na lista de autores, e com isto recebe regalias da instituição (licenças para viagens, carga horária de aulas reduzida, etc). Há também a manipulação do número de professores do curso de pós-graduação, tira-se fulano e inclui-se sicrano no relatório deste ano. No ano seguinte inverte-se. O curso de graduação da instituição é sempre prejudicado. Trabalhos idênticos ou cópias ligeiramente maquiadas de um mesmo autor ou grupo de autores são submetidos e muitas vezes publicados em diferentes revistas. Autores copiam trechos de publicações alheias, muitas vezes trechos de importância marginal, outras vezes de importância central. Trabalhos inexistentes são colocados na plataforma Lattes, muitas vezes apagados após a avaliação específica do interessado. No nível mais grave vem a leniência das agências de fomento com a ocorrência de tais práticas.
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Talvez o pior aspecto resultante da estapafúrdia competição induzida pelas agências de fomento seja a péssima formação oferecida à grande parte dos pós-graduandos. Posso dar meu testemunho pessoal como participante de inúmeras bancas de concurso na área de Física das melhores instituições do país. Os candidatos, em geral, apresentam ótimas listas de publicações científicas nas melhores revistas. No entanto fracassam em massa quando lhes são propostas questões básicas sobre conceitos fundamentais que qualquer professor de Física deve necessariamente dominar. Isto acontece porque o estudante é muitas vezes treinado para realizar com sucesso apenas aquelas tarefas diretamente ligadas com as publicações que resultarão de seu trabalho, em colaboração com seu orientador. A formação geral, sólida, nos conceitos fundamentais de sua disciplina, é relegada a segundo plano frente à premência da publicação. Os estudantes são aprendizes de feiticeiro a repetir involuntariamente a prática profissional deturpada que as agências de fomento induziram nas mentes de seus orientadores. É uma perigosíssima bola de neve.
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Todo esse cenário se torna dramático quando leio no texto assinado pelo Diretor de Avaliação da CAPES, publicado no Jornal da Ciência, entre outras declarações ufanistas, a de que "a produção científica brasileira cresceu nove vezes em 20 anos". O que significa esta cifra? Qual percentagem desse aumento corresponde realmente a inovações científicas? Qual é proveniente apenas da prática de imitação? Qual percentagem corresponde à multiplicação artificial de artigos num mesmo tema? Qual percentagem corresponde a plágios, fraudes, etc? Como têm crescido estas percentagens, e como esse crescimento se relaciona com a política indutora da competição entre pesquisadores e entre cursos de pós-graduação?
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Um outro sistema eletrônico/robótico introduzido por nossas agências de fomento é a Plataforma Lattes, que pessoalmente classifico como uma farsa (pobre Professor Lattes, que merecia homenagem melhor). Tenho feito uma pergunta simples a mais de uma centena de colegas acadêmicos, a maioria bolsistas de pesquisa do CNPq: Você sabe quantas pessoas têm seu currículo depositado na Plataforma Lattes? A resposta é invariavelmente "Não sei". Resposta esperada, quando formulada por cientistas, porque esse número é completamente irrelevante para o desenvolvimento da ciência no país. Então insisto: Dê um palpite! Como resposta, recebo cifras tipicamente na casa dos 10 mil, 20 mil. O recorde foi 100 mil. Recentemente o CNPq anunciou em tom igualmente ufanista que a Plataforma Lattes ultrapassou a incrível marca de um milhão de currículos depositados. Escrevo por extenso, um milhão, para evitar mal-entendido. Tal cifra é pelo menos uma ordem de grandeza superior à mais otimista estimativa do número de pessoas que participam do trabalho de pesquisa científica no país, incluindo aí os bolsistas de pesquisa do CNPq, outros tantos pesquisadores produtivos que merecem a mesma bolsa, mas o sistema está saturado, os bolsistas de pós-graduação, os de iniciação científica, os técnicos de laboratório, etc. A farsa, infelizmente, não é apenas numérica. O CNPq obviamente não tem condições de gerenciar a veracidade das informações veiculadas na Plataforma Lattes. São de responsabilidade do usuário, anuncia o CNPq para se livrar de sua própria responsabilidade. No entanto, sendo estas informações veiculadas pela agência oficial de fomento à pesquisa científica, passam a ser padrão de avaliações não só do próprio CNPq como das diversas outras agências de fomento (CAPES inclusive) e instituições acadêmicas. A chancela do CNPq empresta aparente credibilidade às informações contidas na Plataforma Lattes, mas o CNPq não pode se responsabilizar por sua veracidade. Cientes desta arapuca, os dirigentes do CNPq resolveram contratar uma firma americana para "certificar" os currículos depositados na Plataforma Lattes, seja lá qual for o significado do termo, "certificar". Quem "certifica" o serviço prestado pela citada firma americana? Talvez, se a Plataforma Lattes se restringisse aos verdadeiros participantes do esforço científico nacional (todos, embora poucos), o CNPq pudesse, ele próprio, verificar a veracidade das informações, e então estaria prestando um verdadeiro serviço ao país.
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Finalizo por enfatizar que estas minhas críticas devem ser encaradas dentro do espírito construtivo segundo o qual as formulei. Meu objetivo é que o sistema de avaliação científica do país, capitaneado por CAPES e CNPq, seja modernizado, que não se limite às políticas vigentes de "conta-paper" e "conta-parâmetro-de-impacto", já obsoletas no atual estágio da atividade científica no país. Funcionaram muito bem num estágio anterior, enquanto essa agora ufanisticamente propalada "competitividade" não se fez necessária devido ao pequeno número de pessoas envolvidas. A continuação dessas políticas, que sequer são recicladas, gera, agora, todas as distorções que descrevi acima, e muitas outras. É preciso que se mude qualitativamente a forma de avaliar a atividade científica no país, não aumentar cegamente os mesmos desafios numéricos de sempre, mais do mesmo.
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Atenciosamente
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Paulo Murilo Castro de Oliveira
Para onde trabalho como referee ?
Referee for Brazilian or international scientific journals
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Eventual referee work:
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Life Sciences Journal (USA): in 1997 and 2004
Experimental Biology On-Line (Germany): in 1999
International Journal of Biochemistry & Cell Biology (USA): in 2002
Journal of the Brazilian Chemical Society (Brazil): in 2002
Archives of Environmental Contamination and Toxicology (USA): in 2002 and 2003
Journal of Experimental Marine Biology and Ecology (USA): in 2004
Pharmacological Research (Italy): in 2004
Journal of Shellfish Research (USA): in 2006
Free Radical Biology & Medicine (USA): in 2006
Journal of Herpetology (USA): in 2007
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Continuous referee work:
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Química Nova (Brazil): since 1997
Brazilian Journal of Medical and Biological Research: since 1997
Comparative Biochemistry and Physiology (Canada): since 1998
Journal of Fish Biology (UK): since 2001
American Journal of Physiology: Regul. Integ. Comp. Physiol. (USA): since 2002
BBA - General Subjects (Holland): since 2003
Journal of Experimental Biology (UK): since 2004
Aquatic Toxicology (Finland): since 2005
Genetics and Molecular Biology (Brazil): since 2006
American Journal of Physiology: Endocrinol. Metabol .(USA): in 2006
Journal of Comparative Physiology-B (USA/Germany): since 2006
Molecular and Cellular Biochemistry (Canada): since 2006
PLoS One (USA): since 2007
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Referee for granting agencies (Ad-Hoc consulting):
In Brazil:
CNPq, FAPESP, FAPDF, CAPES and PADCT
Elsewhere:
National Science Foundation (NSF, USA): since several years ago
Israel Science Foundation: in 2006
ANPCyT (Argentina): in 2006
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Eventual referee work:
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Life Sciences Journal (USA): in 1997 and 2004
Experimental Biology On-Line (Germany): in 1999
International Journal of Biochemistry & Cell Biology (USA): in 2002
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Free Radical Biology & Medicine (USA): in 2006
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segunda-feira, 22 de outubro de 2007
Fraude na pesquisa e no ensino
Texto de Dora Porto, Antropóloga
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Falar sobre fraude em ciência implica em definir primeiro o que deve ser considerado fraude. Para evitar grandes elocubrações a respeito pode-se sintetizar essa idéia segundo a definição oficial de fraude que implica em uma ação cujo objetivo é, deliberadamente, enganar alguém. Assim, o que seria enganar os outros, também pode variar conforme os objetivos pretendidos. Portanto, para pensar em fraude em ciência é preciso pensar no que, de fato, pretende a ciência e como as instituições de ensino preparam aqueles que devem alcançar esse objetivo.
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Reproduzindo as características do processo inato de aprendizado, por mimesis ou imitação, o sistema de ensino, desde as primeiras séries, baseia-se na reprodução do conhecimento e não na originalidade das idéias construídas a partir da assimilação do conhecimento. Tal prática, tida como "normal" e, em muitos casos, referendada com menções laudatórias, torna-se especialmente perversa em tempos do "control C control V", quando quase qualquer pessoa tem acesso a milhares de textos publicados sobre um assunto e, com um corta e cola eficiente, além de um bom dicionário de sinônimos à mão, pode produzir em questão de horas (ou minutos, dependendo do cuidado que se tenha) um texto "original", segundo os critérios aceitos na maior parte das universidades. E qualquer um que já tenha dado aulas sabe o quanto isso é freqüente. A leitura cuidadosa de trabalhos acadêmicos, especialmente nas turmas grandes, remete em muitos casos a um número restrito de sites, dos quais a informação foi retirada e, mais ou menos "transformada" em palavras do autor do trabalho.
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A pressão para publicar também colabora para agravar esse problema. Como o desempenho dos pesquisadores, o acesso à verba para pesquisa e os critérios de progressão funcional nas instituições às quais estão vinculados estão associados à publicação, a necessidade de publicar muito acaba por se tornar imperativa. Na área das ciências humanas essa pressão traz resultados ainda mais nefastos pois as revistas de peso adotam critérios editoriais voltados às ciências exatas ou biológicas, relacionados ao tamanho e formado artigo, bem como à metodologia adotada na pesquisa que, prioritariamentedeve ser quantitativa. Esse rol de critérios revela-se circunstância extremamente desfavorável às características das pesquisas na área das ciências humanas e gera um tipo distinto de problema, que não chega a ser uma fraude, mas, algumas vezes deixa no pesquisador sensação similar. Para cumprir as exigências das revistas e conseguir publicar o pesquisador terá, muitas vezes, que recortar tanto seu trabalho, pinçando um aspecto isolado de seus resultados, que acaba por perceber que o mesmo deixa de fazer sentido. Assim, nesses casos, ainda que o pesquisador não seja de fato um fraudador, muitas vezes se sente como tal em relação à extensão e profundidade de seu próprio trabalho.
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Além desses aspectos há ainda uma outra gama de considerações que precisam ser encaradas. Há quase 30 anos, quando publicava poesia independente e vendia na noite, escrevi um livrinho chamado S/A, título pouco compreendido porque, na verdade, o que pretendia dizer com isso era que as idéias não podem ser reduzidas à condição de propriedade, uma vez que circulam entre as pessoas, sendo coletivamente construídas. Todas as grandes idéias e, até mesmo, a idéia de usar palavras como ferramentas de comunicação, só foram possíveis e eficazes porque foram compartilhadas. Imagine se sob o signo da propriedade privada cada ser humano tivesse desenvolvido sua própria linguagem, seu próprio sistema de signos e valores, suas próprias regras para o convívio com os demais e suas leis? Com certeza não estaríamos aqui hoje e, pior, é quase certo que nossa espécie sequer estaria sobre a face daTerra. Para o bem ou para o mal, todas as grandes idéias, que levaram a descobertas ou invenções, deram certo porque foram compartilhadas. Quase tudo que usamos no cotidiano remonta a alguma descoberta tecnológica que nossos ancestrais fizeram a milhares de anos: do fogo à domesticação das plantas e animais. Lembrando que isso hoje ultrapassa o cafezinho que você pode estar tomando enquanto lê (ou o iogurte, leite, etc), mas estende-se a roupas, artefatos, vacinas e remédios.
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Porém, se a linguagem, falada ou escrita, é a mais contundente prova de que partilhar é essencial (imagine viver em um mundo em que é impossível perguntar até mesmo "foi bom para você?"), quando se trata das coisas nossa lógica se altera. Vivendo sob o imaginário da propriedade privada, que naturaliza, inclusive, a propriedade do corpo (que deixa de ser Eu e passa a ser meu) não é difícil entender que a questão da fraude acaba intimamente relacionada ao reconhecimento da propriedade. Assim, mais do que flagrar opesquisador inescrupuloso, que se apodera de dados que não são produziu ou aquele que falseia seus dados para publicar uma inverdade retumbante, a questão da fraude parece relacionada à questão da propriedade, negando a imagem que desenha o conhecimento como a soma dos resultados de centenas de milhares de anões que, com seus erros e acertos, formam o grande corpo do conhecimento.
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Porém as descobertas mais significativas, inclusive na ciência, são -obviamente - aquelas cujos resultados são amplamente partilhados por populações diferentes em todo planeta. A vacina contra poliomielite prova isso. Assim a pergunta volta ao ponto inicial? À reflexão sobre o discurso que sustenta a ciência, de que produz descobertas para o bem da humanidade, não seria, em si mesmo uma fraude? Afinal, o mundo globalizado o prova, nunca vivemos com tanto aporte científico, tanta tecnologia e tanta exclusão.
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Falar sobre fraude em ciência implica em definir primeiro o que deve ser considerado fraude. Para evitar grandes elocubrações a respeito pode-se sintetizar essa idéia segundo a definição oficial de fraude que implica em uma ação cujo objetivo é, deliberadamente, enganar alguém. Assim, o que seria enganar os outros, também pode variar conforme os objetivos pretendidos. Portanto, para pensar em fraude em ciência é preciso pensar no que, de fato, pretende a ciência e como as instituições de ensino preparam aqueles que devem alcançar esse objetivo.
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Reproduzindo as características do processo inato de aprendizado, por mimesis ou imitação, o sistema de ensino, desde as primeiras séries, baseia-se na reprodução do conhecimento e não na originalidade das idéias construídas a partir da assimilação do conhecimento. Tal prática, tida como "normal" e, em muitos casos, referendada com menções laudatórias, torna-se especialmente perversa em tempos do "control C control V", quando quase qualquer pessoa tem acesso a milhares de textos publicados sobre um assunto e, com um corta e cola eficiente, além de um bom dicionário de sinônimos à mão, pode produzir em questão de horas (ou minutos, dependendo do cuidado que se tenha) um texto "original", segundo os critérios aceitos na maior parte das universidades. E qualquer um que já tenha dado aulas sabe o quanto isso é freqüente. A leitura cuidadosa de trabalhos acadêmicos, especialmente nas turmas grandes, remete em muitos casos a um número restrito de sites, dos quais a informação foi retirada e, mais ou menos "transformada" em palavras do autor do trabalho.
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A pressão para publicar também colabora para agravar esse problema. Como o desempenho dos pesquisadores, o acesso à verba para pesquisa e os critérios de progressão funcional nas instituições às quais estão vinculados estão associados à publicação, a necessidade de publicar muito acaba por se tornar imperativa. Na área das ciências humanas essa pressão traz resultados ainda mais nefastos pois as revistas de peso adotam critérios editoriais voltados às ciências exatas ou biológicas, relacionados ao tamanho e formado artigo, bem como à metodologia adotada na pesquisa que, prioritariamentedeve ser quantitativa. Esse rol de critérios revela-se circunstância extremamente desfavorável às características das pesquisas na área das ciências humanas e gera um tipo distinto de problema, que não chega a ser uma fraude, mas, algumas vezes deixa no pesquisador sensação similar. Para cumprir as exigências das revistas e conseguir publicar o pesquisador terá, muitas vezes, que recortar tanto seu trabalho, pinçando um aspecto isolado de seus resultados, que acaba por perceber que o mesmo deixa de fazer sentido. Assim, nesses casos, ainda que o pesquisador não seja de fato um fraudador, muitas vezes se sente como tal em relação à extensão e profundidade de seu próprio trabalho.
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Além desses aspectos há ainda uma outra gama de considerações que precisam ser encaradas. Há quase 30 anos, quando publicava poesia independente e vendia na noite, escrevi um livrinho chamado S/A, título pouco compreendido porque, na verdade, o que pretendia dizer com isso era que as idéias não podem ser reduzidas à condição de propriedade, uma vez que circulam entre as pessoas, sendo coletivamente construídas. Todas as grandes idéias e, até mesmo, a idéia de usar palavras como ferramentas de comunicação, só foram possíveis e eficazes porque foram compartilhadas. Imagine se sob o signo da propriedade privada cada ser humano tivesse desenvolvido sua própria linguagem, seu próprio sistema de signos e valores, suas próprias regras para o convívio com os demais e suas leis? Com certeza não estaríamos aqui hoje e, pior, é quase certo que nossa espécie sequer estaria sobre a face daTerra. Para o bem ou para o mal, todas as grandes idéias, que levaram a descobertas ou invenções, deram certo porque foram compartilhadas. Quase tudo que usamos no cotidiano remonta a alguma descoberta tecnológica que nossos ancestrais fizeram a milhares de anos: do fogo à domesticação das plantas e animais. Lembrando que isso hoje ultrapassa o cafezinho que você pode estar tomando enquanto lê (ou o iogurte, leite, etc), mas estende-se a roupas, artefatos, vacinas e remédios.
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Porém, se a linguagem, falada ou escrita, é a mais contundente prova de que partilhar é essencial (imagine viver em um mundo em que é impossível perguntar até mesmo "foi bom para você?"), quando se trata das coisas nossa lógica se altera. Vivendo sob o imaginário da propriedade privada, que naturaliza, inclusive, a propriedade do corpo (que deixa de ser Eu e passa a ser meu) não é difícil entender que a questão da fraude acaba intimamente relacionada ao reconhecimento da propriedade. Assim, mais do que flagrar opesquisador inescrupuloso, que se apodera de dados que não são produziu ou aquele que falseia seus dados para publicar uma inverdade retumbante, a questão da fraude parece relacionada à questão da propriedade, negando a imagem que desenha o conhecimento como a soma dos resultados de centenas de milhares de anões que, com seus erros e acertos, formam o grande corpo do conhecimento.
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Porém as descobertas mais significativas, inclusive na ciência, são -obviamente - aquelas cujos resultados são amplamente partilhados por populações diferentes em todo planeta. A vacina contra poliomielite prova isso. Assim a pergunta volta ao ponto inicial? À reflexão sobre o discurso que sustenta a ciência, de que produz descobertas para o bem da humanidade, não seria, em si mesmo uma fraude? Afinal, o mundo globalizado o prova, nunca vivemos com tanto aporte científico, tanta tecnologia e tanta exclusão.
quarta-feira, 17 de outubro de 2007
A concentração do conhecimento
Resenha de BARROS, Fernando - A tendência concentradora da produção de conhecimento no mundo contemporâneo (Brasília: Paralelo 15 – Abipti, 2005, 307 p.)
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por: Profa. Maria Lucia Maciel
(IFCS/UFRJ)
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No relatório do Banco Mundial, Knowledge for Development (1999), o seguinte trecho sintetiza de forma aguda o problema atual da concentração do conhecimento:
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Knowledge is like light. Weightless and intangible, it can easily travel the world, enlightening the lives of people everywhere. Yet billions of people still live in the darkness of poverty - unnecessarily.
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Muitos autores têm chamado atenção, nos últimos anos, para a questão da concentração geográfica do conhecimento e para o mito da chamada sociedade do conhecimento (ver nota de rodapé). O maior mérito do trabalho de Fernando Barros neste livro, resultante de sua tese de doutorado, é o de traduzir essa problemática em dados concretos e análises cuidadosas relevantes à realidade dos países periféricos, e especialmente para o Brasil.
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Apoiando-se em fontes de dados trabalhados pelo Observatoire des Sciences et Techniques-OST e baseados em relatórios de OCDE (Principais Indicadores C&T), UNESCO, EUROSTAT e INED, o autor demonstra os altos índices de concentração de investimentos em ciência e tecnologia (C&T), assim como de instituições, de pesquisadores e de sua produção, na América do Norte, na Europa e no Japão. Mas o autor também desagrega os dados por países e por áreas do conhecimento, além de entrar na complexa questão dos resultados em termos de inovação tecnológica, na qual os dados que demonstram a concentração são ainda mais contundentes. Para apoiar sua análise, o autor conduziu ainda uma série de entrevistas com especialistas brasileiros e internacionais dessa área, cujo roteiro encontra-se no anexo do livro.
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O primeiro capítulo apresenta seu quadro teórico de análise da produção e distribuição de conhecimento na atualidade e aponta as principais tendências contemporâneas nesse campo, resultantes da revolução científico-tecnológica dos últimos trinta anos. O segundo descreve quantitativa e qualitativamente como essas tendências se concretizaram nos países mais desenvolvidos. O terceiro faz um panorama da ciência e da tecnologia nos países em desenvolvimento, focando mais especialmente os casos de China, Índia e Brasil. O capítulo seguinte retrata as desigualdades científicas e tecnológicas mundiais no contexto da globalização, mostrando que as distâncias entre países são bem maiores na tecnologia do que na ciência. No último capítulo, o autor desenvolve seu argumento sobre a tendência à concentração do conhecimento no mundo contemporâneo e destaca o papel do Estado nos processos nacionais que contribuem para configurar a atual distribuição geográfica do conhecimento. Nas conclusões, Barros sintetiza seus argumentos e aponta as perspectivas para o futuro.
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Merece especial atenção a análise de séries históricas que se, por um lado, confirmam as origens históricas e estruturais dessa tendência à concentração, por outro também indicam “desvios” interessantes nessa tendência: o primeiro, no período após a segunda guerra mundial; e o segundo, nas três últimas décadas.
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No primeiro caso, houve um movimento de expansão das atividades científicas e tecnológicas de forma menos desigual entre os diferentes estados nacionais. Dessa forma, as contribuições ao desenvolvimento da ciência, ainda que em pequenas proporções, passaram a ter origem mais diversificada. No Brasil, vimos nesse período do pós-guerra um grande esforço institucional e financeiro que gerou, entre outros, o CNPq e a Capes.
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Mas a crise capitalista do final dos anos 1970 e as mudanças ocorridas com o processo de globalização da economia, segundo o autor, afetaram profundamente os países em desenvolvimento, onde as atividades científicas e tecnológicas dependiam basicamente do Estado. Sabemos como os anos 1980 e 1990 testemunharam uma redução no esforço de desenvolvimento científico e tecnológico no Brasil, cujos efeitos se fazem sentir até hoje em alguns aspectos.
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O segundo momento interessante (só o tempo dirá se é mais um “desvio” da história ou se é uma nova tendência que se afirma) diz respeito às três últimas décadas. Se é verdade, como demonstra Barros, que a distância entre os países ditos centrais e os menos desenvolvidos (como a maioria dos países africanos) continua aumentando, seguindo a tendência histórica, por outro os dados apresentados no livro também indicam uma leve dispersão da produção científica e tecnológica. Com a constatação do papel central de C&T para o desenvolvimento, em meio às radicais transformações que colocam a produção e apropriação da informação e – principalmente – do conhecimento como fatores cruciais dos processos econômicos e sociais no mundo contemporâneo, vários países vêm procurando investir (tanto recursos materiais quanto imateriais) no avanço científico e tecnológico.
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É o caso, por exemplo, dos países que o autor denomina de “intermediários”, como o Canadá, Austrália, Nova Zelândia, entre outros, que conseguiram atingir um grau de capacitação técnico-científica e padrões de desenvolvimento semelhantes aos encontrados nos países líderes. Da mesma forma, é digno de nota o resultado obtido nos saltos qualitativos observados na Coréia do Sul, em outros novos países industrializados (NPI) da Ásia – que já foram chamados de “tigres asiáticos” – e em alguns países membros da União Européia, como Espanha, Finlândia e Irlanda, o que contribui significativamente para uma realidade menos polarizada.
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Mais relevante ainda – para o nosso caso específico, pelo menos – é a ascensão no cenário internacional de países emergentes como China, Índia e Brasil. A tal ponto que o tema do momento nas reuniões internacionais de especialistas da área é o novo conjunto denominado “BRICS” – que reúne as iniciais de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Estes seriam os países de maior desenvolvimento potencial no século XXI, segundo alguns. É claro que há imensas diferenças entre essas cinco configurações sócio-políticas. Sobretudo, talvez, o fato de que Índia e China estão conseguindo avançar muito mais no campo do desenvolvimento tecnológico do que o Brasil, por exemplo, enquanto o nosso país tem tido mais sucesso no avanço científico do que na tecnologia.
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Mas o que me chama mais atenção ao longo de todo o livro e particularmente no relato (e nos dados) desses casos de sucesso é o que eles têm em comum. Tanto nos países “intermediários” quanto nos NPI e nos novos emergentes, o fator crucial que parece alimentar o potencial de “desviar” a tendência é a ação do Estado. Como diz o autor, a mudança ocorre “por meio de políticas incisivas que podem levar a um processo de maior desconcentração”.
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Assim como ocorreu em alguns países no pós-guerra, as mudanças mais recentes observadas por exemplo na Coréia, na China e na Índia foram promovidas por políticas estatais fortes e consistentes, de longo prazo. O Japão, aliás, já tinha demonstrado isso muito antes e de forma contundente. Isso não implica ignorar a ação de forças econômicas presentes em cada sociedade e as correntes de interesses do mercado associadas aos avanços na produção tecnológica – e que ainda não se expressaram significativamente no Brasil. A idéia de Sistema Nacional de Inovação refere-se justamente ao conjunto integrado de esforços públicos e privados nessa direção. Mas os exemplos e os dados mostram claramente que mesmo a inovação tecnológica promovida por interesses privados responde, em grande parte, a estímulos colocados por um ambiente macro-econômico e uma política de estado em que os incentivos à produção justificam os riscos e os esforços – e que também ainda não se expressaram significativamente no Brasil...
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Em suma, apesar da “tendência concentradora” do título do livro, que pode dar a impressão de uma mensagem pessimista do autor, encontram-se também no seu trabalho os caminhos alternativos que, segundo ele, “poderão emergir da práxis social” – e política, diria eu – “e conduzir a outros horizontes”.
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Para concluir, vale a pena acrescentar ainda um comentário, inclusive como sugestão para trabalhos futuros.
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Há, obviamente, contradições inerentes à idéia, muito difundida, de que o conhecimento é cada vez mais accessível e disseminado – ao mesmo tempo em que ele é cada vez mais privatizado e, portanto, mais concentrado. O argumento, que tem raízes clássicas nas teorias que postulam a mudança como sendo gerada e movida a partir das próprias contradições inerentes a cada momento histórico, é produtivo em pelo menos dois sentidos. Em primeiro lugar, ele nos instiga a novas problematizações e perspectivas sobre o nosso tempo que desvendam atores, relações e tensões em muitos casos insuspeitados. Em segundo lugar, as próprias incertezas e instabilidades institucionais características da nossa contemporaneidade podem sugerir os caminhos da ação social e política mencionados por Fernando Barros. Não estamos, evidentemente, em período de estabilidade de instituições, normas e regras consolidadas – muito pelo contrário. Descortinam-se assim iniciativas sociais e políticas inéditas de países e coletividades em todos os níveis (internacional, nacional, local) que indicam possibilidades diversas de estratégias e políticas propícias à mudança.
Nota de rodapé: Ver particularmente CASSIOLATO, LASTRES e MACIEL (org) Systems of Innovation and Development (Edgar Elgar Publ., 2003) e STEHR, N. “Da desigualdade de classe à desigualdade de conhecimento”, Rev. bras. Ci. Soc., 2000, 15(42).
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por: Profa. Maria Lucia Maciel
(IFCS/UFRJ)
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No relatório do Banco Mundial, Knowledge for Development (1999), o seguinte trecho sintetiza de forma aguda o problema atual da concentração do conhecimento:
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Knowledge is like light. Weightless and intangible, it can easily travel the world, enlightening the lives of people everywhere. Yet billions of people still live in the darkness of poverty - unnecessarily.
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Muitos autores têm chamado atenção, nos últimos anos, para a questão da concentração geográfica do conhecimento e para o mito da chamada sociedade do conhecimento (ver nota de rodapé). O maior mérito do trabalho de Fernando Barros neste livro, resultante de sua tese de doutorado, é o de traduzir essa problemática em dados concretos e análises cuidadosas relevantes à realidade dos países periféricos, e especialmente para o Brasil.
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Apoiando-se em fontes de dados trabalhados pelo Observatoire des Sciences et Techniques-OST e baseados em relatórios de OCDE (Principais Indicadores C&T), UNESCO, EUROSTAT e INED, o autor demonstra os altos índices de concentração de investimentos em ciência e tecnologia (C&T), assim como de instituições, de pesquisadores e de sua produção, na América do Norte, na Europa e no Japão. Mas o autor também desagrega os dados por países e por áreas do conhecimento, além de entrar na complexa questão dos resultados em termos de inovação tecnológica, na qual os dados que demonstram a concentração são ainda mais contundentes. Para apoiar sua análise, o autor conduziu ainda uma série de entrevistas com especialistas brasileiros e internacionais dessa área, cujo roteiro encontra-se no anexo do livro.
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O primeiro capítulo apresenta seu quadro teórico de análise da produção e distribuição de conhecimento na atualidade e aponta as principais tendências contemporâneas nesse campo, resultantes da revolução científico-tecnológica dos últimos trinta anos. O segundo descreve quantitativa e qualitativamente como essas tendências se concretizaram nos países mais desenvolvidos. O terceiro faz um panorama da ciência e da tecnologia nos países em desenvolvimento, focando mais especialmente os casos de China, Índia e Brasil. O capítulo seguinte retrata as desigualdades científicas e tecnológicas mundiais no contexto da globalização, mostrando que as distâncias entre países são bem maiores na tecnologia do que na ciência. No último capítulo, o autor desenvolve seu argumento sobre a tendência à concentração do conhecimento no mundo contemporâneo e destaca o papel do Estado nos processos nacionais que contribuem para configurar a atual distribuição geográfica do conhecimento. Nas conclusões, Barros sintetiza seus argumentos e aponta as perspectivas para o futuro.
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Merece especial atenção a análise de séries históricas que se, por um lado, confirmam as origens históricas e estruturais dessa tendência à concentração, por outro também indicam “desvios” interessantes nessa tendência: o primeiro, no período após a segunda guerra mundial; e o segundo, nas três últimas décadas.
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No primeiro caso, houve um movimento de expansão das atividades científicas e tecnológicas de forma menos desigual entre os diferentes estados nacionais. Dessa forma, as contribuições ao desenvolvimento da ciência, ainda que em pequenas proporções, passaram a ter origem mais diversificada. No Brasil, vimos nesse período do pós-guerra um grande esforço institucional e financeiro que gerou, entre outros, o CNPq e a Capes.
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Mas a crise capitalista do final dos anos 1970 e as mudanças ocorridas com o processo de globalização da economia, segundo o autor, afetaram profundamente os países em desenvolvimento, onde as atividades científicas e tecnológicas dependiam basicamente do Estado. Sabemos como os anos 1980 e 1990 testemunharam uma redução no esforço de desenvolvimento científico e tecnológico no Brasil, cujos efeitos se fazem sentir até hoje em alguns aspectos.
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O segundo momento interessante (só o tempo dirá se é mais um “desvio” da história ou se é uma nova tendência que se afirma) diz respeito às três últimas décadas. Se é verdade, como demonstra Barros, que a distância entre os países ditos centrais e os menos desenvolvidos (como a maioria dos países africanos) continua aumentando, seguindo a tendência histórica, por outro os dados apresentados no livro também indicam uma leve dispersão da produção científica e tecnológica. Com a constatação do papel central de C&T para o desenvolvimento, em meio às radicais transformações que colocam a produção e apropriação da informação e – principalmente – do conhecimento como fatores cruciais dos processos econômicos e sociais no mundo contemporâneo, vários países vêm procurando investir (tanto recursos materiais quanto imateriais) no avanço científico e tecnológico.
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É o caso, por exemplo, dos países que o autor denomina de “intermediários”, como o Canadá, Austrália, Nova Zelândia, entre outros, que conseguiram atingir um grau de capacitação técnico-científica e padrões de desenvolvimento semelhantes aos encontrados nos países líderes. Da mesma forma, é digno de nota o resultado obtido nos saltos qualitativos observados na Coréia do Sul, em outros novos países industrializados (NPI) da Ásia – que já foram chamados de “tigres asiáticos” – e em alguns países membros da União Européia, como Espanha, Finlândia e Irlanda, o que contribui significativamente para uma realidade menos polarizada.
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Mais relevante ainda – para o nosso caso específico, pelo menos – é a ascensão no cenário internacional de países emergentes como China, Índia e Brasil. A tal ponto que o tema do momento nas reuniões internacionais de especialistas da área é o novo conjunto denominado “BRICS” – que reúne as iniciais de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Estes seriam os países de maior desenvolvimento potencial no século XXI, segundo alguns. É claro que há imensas diferenças entre essas cinco configurações sócio-políticas. Sobretudo, talvez, o fato de que Índia e China estão conseguindo avançar muito mais no campo do desenvolvimento tecnológico do que o Brasil, por exemplo, enquanto o nosso país tem tido mais sucesso no avanço científico do que na tecnologia.
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Mas o que me chama mais atenção ao longo de todo o livro e particularmente no relato (e nos dados) desses casos de sucesso é o que eles têm em comum. Tanto nos países “intermediários” quanto nos NPI e nos novos emergentes, o fator crucial que parece alimentar o potencial de “desviar” a tendência é a ação do Estado. Como diz o autor, a mudança ocorre “por meio de políticas incisivas que podem levar a um processo de maior desconcentração”.
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Assim como ocorreu em alguns países no pós-guerra, as mudanças mais recentes observadas por exemplo na Coréia, na China e na Índia foram promovidas por políticas estatais fortes e consistentes, de longo prazo. O Japão, aliás, já tinha demonstrado isso muito antes e de forma contundente. Isso não implica ignorar a ação de forças econômicas presentes em cada sociedade e as correntes de interesses do mercado associadas aos avanços na produção tecnológica – e que ainda não se expressaram significativamente no Brasil. A idéia de Sistema Nacional de Inovação refere-se justamente ao conjunto integrado de esforços públicos e privados nessa direção. Mas os exemplos e os dados mostram claramente que mesmo a inovação tecnológica promovida por interesses privados responde, em grande parte, a estímulos colocados por um ambiente macro-econômico e uma política de estado em que os incentivos à produção justificam os riscos e os esforços – e que também ainda não se expressaram significativamente no Brasil...
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Em suma, apesar da “tendência concentradora” do título do livro, que pode dar a impressão de uma mensagem pessimista do autor, encontram-se também no seu trabalho os caminhos alternativos que, segundo ele, “poderão emergir da práxis social” – e política, diria eu – “e conduzir a outros horizontes”.
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Para concluir, vale a pena acrescentar ainda um comentário, inclusive como sugestão para trabalhos futuros.
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Há, obviamente, contradições inerentes à idéia, muito difundida, de que o conhecimento é cada vez mais accessível e disseminado – ao mesmo tempo em que ele é cada vez mais privatizado e, portanto, mais concentrado. O argumento, que tem raízes clássicas nas teorias que postulam a mudança como sendo gerada e movida a partir das próprias contradições inerentes a cada momento histórico, é produtivo em pelo menos dois sentidos. Em primeiro lugar, ele nos instiga a novas problematizações e perspectivas sobre o nosso tempo que desvendam atores, relações e tensões em muitos casos insuspeitados. Em segundo lugar, as próprias incertezas e instabilidades institucionais características da nossa contemporaneidade podem sugerir os caminhos da ação social e política mencionados por Fernando Barros. Não estamos, evidentemente, em período de estabilidade de instituições, normas e regras consolidadas – muito pelo contrário. Descortinam-se assim iniciativas sociais e políticas inéditas de países e coletividades em todos os níveis (internacional, nacional, local) que indicam possibilidades diversas de estratégias e políticas propícias à mudança.
Nota de rodapé: Ver particularmente CASSIOLATO, LASTRES e MACIEL (org) Systems of Innovation and Development (Edgar Elgar Publ., 2003) e STEHR, N. “Da desigualdade de classe à desigualdade de conhecimento”, Rev. bras. Ci. Soc., 2000, 15(42).
segunda-feira, 8 de outubro de 2007
Nome e renome - por Marcelo Leite
Nome e renome
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por Marcelo Leite
Caderno Mais! - Folha de SP
7 de outubro de 2007
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Existem no Brasil 27 instituições cujos pesquisadores publicaram pelo menos cem artigos em periódicos científicos internacionais de primeira linha, como "Nature" ou "Science", em 2005. Segundo levantamento de Rogério Meneghini na base de dados Web of Science, duas universidades paulistas estão no topo da lista: USP (4.170 artigos) e Unicamp (1.569).
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Nada de muito novo aí. Todo mundo sabe que USP e Unicamp ocupam a linha de frente, ao lado de UFRJ (1.267 artigos), Unesp (1.166), UFRGS (971) e UFMG (875), para ficar na casa do milhar. Quantidade de produção, porém, não é o único indicador de excelência acadêmica.
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Meneghini estuda esses indicadores há anos e se tornou um especialista em "cientometria", como se diz. Ele pesquisou também o impacto desses artigos todos, medido pelo número de citações que angariaram. O raciocínio é que as contribuições científicas mais importantes são também aquelas que outros pesquisadores incluem nas suas notas de rodapé.
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Com base nas duas quantidades, Meneghini obteve a média de citações por artigo em cada instituição, um indicador razoável de sua capacidade de produzir ciência relevante. Neste caso, o ranking se altera consideravelmente. Em primeiro lugar aparece agora o Instituto Butantan, de São Paulo, cujos 135 artigos do ano 2005 geraram até o mês passado um total de 408 menções (média de 3,02 citações por trabalho).
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Em seguida vêm Unifesp (2,94), USP (2,89) e -surpresa- UFSM (2,80). Já ouviu falar? Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. De lá saíram 267 artigos em 2005, mais que do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, com 214) e da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz, com 229), nomes com os quais o leitor deve estar mais familiarizado.
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Por falar em nomes, não é de todo improvável que as instituições mencionadas venham a questionar o levantamento com cifras divergentes obtidas na mesma Web of Science. Bases de dados são bases de dados - computadores e programas que só localizam aquilo que o freguês mandar procurar. Se pesquisar "Univ São Paulo", vai dar com 3.689 artigos; se "USP", com 561.
.
Se a soma 4.250 - e não 4.170, como no primeiro parágrafo - soa estranha, mais estranha ainda é a razão por trás dela: a instituição pode aparecer de maneira diversa na afiliação institucional indicada pelos autores de um mesmo artigo. Nem eles se preocuparam em padronizar a referência, nem os revisores do periódico corrigiram a discrepância óbvia.
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No caso da Unicamp, Meneghini arriscou três grafias: "Unicamp" (692 artigos), "Univ Estadual Campinas" (1.080) e "State Univ Campinas" (241). É pouco provável que rankings internacionais, como o da Universidade Jiao Tong de Xangai incensado pela revista "Economist", levem em conta essas variantes nos nomes, prejudicando o renome, ou pelo menos a visibilidade, das instituições brasileiras.
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Com seus 4.170 artigos em 2005, a USP não chega nem aos pés da campeã norte-americana Harvard (9.003 trabalhos). Tampouco chega a fazer feio diante da vice britânica Cambridge (4.748). Sua média de 2,89 citações por artigo, porém, não alcança um terço da de Harvard (9,91). Tal escore foi obtido com quase 90 mil menções na literatura científica à usina acadêmica instalada às margens do rio Charles, em Cambridge, Massachusetts (EUA). É mais que o dobro de todas as 27 do ranking nacional -juntas. Com o nome que for.
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por Marcelo Leite
Caderno Mais! - Folha de SP
7 de outubro de 2007
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Existem no Brasil 27 instituições cujos pesquisadores publicaram pelo menos cem artigos em periódicos científicos internacionais de primeira linha, como "Nature" ou "Science", em 2005. Segundo levantamento de Rogério Meneghini na base de dados Web of Science, duas universidades paulistas estão no topo da lista: USP (4.170 artigos) e Unicamp (1.569).
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Nada de muito novo aí. Todo mundo sabe que USP e Unicamp ocupam a linha de frente, ao lado de UFRJ (1.267 artigos), Unesp (1.166), UFRGS (971) e UFMG (875), para ficar na casa do milhar. Quantidade de produção, porém, não é o único indicador de excelência acadêmica.
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Meneghini estuda esses indicadores há anos e se tornou um especialista em "cientometria", como se diz. Ele pesquisou também o impacto desses artigos todos, medido pelo número de citações que angariaram. O raciocínio é que as contribuições científicas mais importantes são também aquelas que outros pesquisadores incluem nas suas notas de rodapé.
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Com base nas duas quantidades, Meneghini obteve a média de citações por artigo em cada instituição, um indicador razoável de sua capacidade de produzir ciência relevante. Neste caso, o ranking se altera consideravelmente. Em primeiro lugar aparece agora o Instituto Butantan, de São Paulo, cujos 135 artigos do ano 2005 geraram até o mês passado um total de 408 menções (média de 3,02 citações por trabalho).
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Em seguida vêm Unifesp (2,94), USP (2,89) e -surpresa- UFSM (2,80). Já ouviu falar? Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. De lá saíram 267 artigos em 2005, mais que do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, com 214) e da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz, com 229), nomes com os quais o leitor deve estar mais familiarizado.
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Por falar em nomes, não é de todo improvável que as instituições mencionadas venham a questionar o levantamento com cifras divergentes obtidas na mesma Web of Science. Bases de dados são bases de dados - computadores e programas que só localizam aquilo que o freguês mandar procurar. Se pesquisar "Univ São Paulo", vai dar com 3.689 artigos; se "USP", com 561.
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Se a soma 4.250 - e não 4.170, como no primeiro parágrafo - soa estranha, mais estranha ainda é a razão por trás dela: a instituição pode aparecer de maneira diversa na afiliação institucional indicada pelos autores de um mesmo artigo. Nem eles se preocuparam em padronizar a referência, nem os revisores do periódico corrigiram a discrepância óbvia.
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No caso da Unicamp, Meneghini arriscou três grafias: "Unicamp" (692 artigos), "Univ Estadual Campinas" (1.080) e "State Univ Campinas" (241). É pouco provável que rankings internacionais, como o da Universidade Jiao Tong de Xangai incensado pela revista "Economist", levem em conta essas variantes nos nomes, prejudicando o renome, ou pelo menos a visibilidade, das instituições brasileiras.
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Com seus 4.170 artigos em 2005, a USP não chega nem aos pés da campeã norte-americana Harvard (9.003 trabalhos). Tampouco chega a fazer feio diante da vice britânica Cambridge (4.748). Sua média de 2,89 citações por artigo, porém, não alcança um terço da de Harvard (9,91). Tal escore foi obtido com quase 90 mil menções na literatura científica à usina acadêmica instalada às margens do rio Charles, em Cambridge, Massachusetts (EUA). É mais que o dobro de todas as 27 do ranking nacional -juntas. Com o nome que for.
quinta-feira, 13 de setembro de 2007
Arautos e incautos
Michelangelo Giotto Santoro Trigueiro
Prof de Sociologia da UnB
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O presidente Lula, em quase toda grande solenidade, numa inauguração ou num lançamento de um Programa de governo, costuma dizer que “nunca antes na história desse país”...e por aí vai em seu discurso. A bem da verdade, essa sua frase jamais se aplicaria à condução da economia. Todos nós já o sabemos. A esse respeito, a maioria dos “especialistas” acaba concluindo: “é... não há muito que inovar nessa área... numa economia globalizada... os mercados estão muito integrados... e coisa e tal...”. Muitos de nós acabamos embarcando nessa conversa fiada (em que pesem seus encantos; afinal, o próprio Ulisses, para não ser seduzido pelos cantos das sereias e sucumbir a seus encantos, precisou ser preso à proa de seu navio, diz-nos a literatura). O resultado final, somando todas as opiniões e práticas diárias, é que, desse modo, aceitando as “verdades inquestionáveis”, acabamos por consagrar o chamado “pensamento único”. Um estilo e uma lógica de argumentação, denunciada, por exemplo, por um conhecido sociólogo, Pierre Bourdieu, que morreu antes de ver o revide da sociedade. Também nada de muito novo nessa denúncia, assim também o fizera Herbert Marcuse, em sua conhecida análise sobre o “homem unidimensional”, ao apontar a hegemonia da tecnocracia, do pensamento analítico totalitário, em detrimento da dialética, e do que chamara o “pensamento negativo”.
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Nessa linha de questionamentos, expresso, aqui, minha preocupação com a forma como o REUNI foi concebido pelo MEC e vem sendo conduzido em algumas universidades públicas, entre estas a UnB.
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Primeiramente, denuncio a falácia da “fórmula salvadora” do ensino público superior, presente nos discursos oficiais a esse respeito, seja por parte do MEC, seja por parte, no nosso caso, da UnB. Também aqui o assunto ganha ares de inevitabilidade, de algo contra o qual nada se pode fazer, ou que não há nada melhor em seu lugar. Em suma, o tal do pensamento único, reeditado nas páginas da pasta da educação brasileira. Ou seja, também aqui, e não só na economia, o governo federal não pode dizer “nunca antes na história desse país”..., e falar do REUNI. Mesmo se falasse do PROUNI – aquele programa federal que transfere recursos públicos para as instituições particulares de ensino superior, na forma de bolsas de estudo para estudantes carentes (o canto de sereia do programa).
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Tanto a respeito do PROUNI, quanto a respeito do REUNI, penso que o ex-ministro Paulo Renato, do governo de FHC, assinaria, literalmente, embaixo. Vale lembrar que Paulo Renato durou bastante tempo no MEC; como também o atual ministro Fernando Haddad. Numa área historicamente conturbada, disputada, instável, do ponto de vista de quem a dirige. Tenho uma hipótese. Ambos dizem, fundamentalmente, a mesma coisa, e ambos atendem, basicamente, aos mesmos e hegemônicos interesses, os do setor privado da educação brasileira. Em se tratando da educação superior brasileira, isso é muito evidente. Basta olharmos a proposta do REUNI, sua idéia de flexibilização curricular, a de formação mais curta (bacharelados em 2 ou 3 anos), a lógica quantitativista da expansão, em detrimento da discussão da qualidade, e assim por diante. Não é preciso muita habilidade para encontrarmos essas impressionantes semelhanças entre ambas as políticas.
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Mas, se na economia o exercício da controvérsia é absolutamente necessário, pois a história é feita de movimento, de diferentes possibilidades, de contradições, como querem alguns filósofos, que diria, então, na educação, que lida com a formação dos indivíduos.
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Penso que, a esse respeito, o que está por trás desses arautos são suas inconfessáveis disposições para viabilizar os interesses do segmento privado da educação superior brasileira, às expensas de um projeto, menos inconfessável ainda, de sucateamento do segmento público. Fato semelhante ao que acabou ocorrendo, ao longo de algumas décadas, com o antigo ensino primário e secundário; antes, de excelente qualidade, no segmento público; hoje, as referências são as escolas privadas.
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A história, a meu ver, é mais ou menos a seguinte. A expansão das vagas pelo segmento das instituições privadas, num primeiro momento, cumpriu sua etapa – tendo começado com a gestão de Paulo Renato (aquela abertura indiscriminada de cursos superiores, país afora), e, agora, continuada, com o PROUNI – um esforço para socorrê-las das inadimplências. Esse ciclo se encerrara. O mercado estaria saturado; não haveria mais como expandir, por esse caminho; não haveria mais quem quisesse ou pudesse pagar por serviços tão caros (a inadimplência é grande e também a evasão), e não há bolsas suficientes para tanto mais. Restou o que chamo a fase 2: esgarçar as universidades públicas, de tão combalidas que estão, para introduzir o novo projeto expansionista. Nas condições atuais, poucas resistências poderiam oferecer, muitos supõem.
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Mas, expandir as matrículas pelas vias das universidades públicas? Seria então uma mudança de rota do projeto anterior? Uma nova política? O PT, enfim, mostraria a que viera, no setor da educação? Não. A história é a mesma. O enfraquecimento da qualidade do ensino público, para que só reste a alternativa do setor privado. E aí, os filhos das elites, dos que mais podem economicamente, acabariam por migrar, definitivamente, para as universidades particulares. Tanto melhor para os donos das instituições privadas: “sangue novo”, gente que pode pagar, que não atrasa, que não é inadimplente. Para esses arautos, a qualidade estaria, enfim, nas mãos das particulares. O segundo ciclo estaria concluído.
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Mas que história difícil de engolir, diriam muitos. Eu confesso que não desejaria, por nada, pagar para ver tais fatos chegarem a termo. Não gostaria de fazer parte da geração que assistiu, inerte, a esse desmonte; ao que se poderia chamar, num futuro próximo, a favelização acadêmica das universidades públicas brasileiras.
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A luta é árdua. Até porque, no plano interno, em nosso caso, na Universidade de Brasília, o MEC conta com poderosos aliados. Na prática, internamente, essa política vem sendo seguida fielmente, obedecida em seus mínimos detalhes. Porém, teríamos muitas outras alternativas (e, creio, também as políticas do MEC para as universidades públicas), se assim o quiséssemos.
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Por exemplo, começar com um grande inventário do quanto se arrecada (em todas as consultorias, cursos de especialização e serviços, os mais diversos, “rubrica a rubrica”) e apresentar, publicamente, como esse dinheiro flui, internamente, para reavaliar determinadas políticas de alocação de recursos. Da parte do MEC e da UnB, isso significaria dar um basta na farra dos CNPJs (um artifício criado para triangulações e captação de recursos de “forma mais ágil”, usando várias unidades e centros das Universidades, não somente suas fundações, em consultorias privadas, cursos de especialização e por aí vai). É preciso colocar ordem e transparência, urgentemente, nesse terreno, que acaba por favorecer os interesses privatistas internos e externos. Em segundo lugar, ou talvez antes mesmo do proposto anteriormente, que se proceda à imediata recuperação das condições de trabalho e a reposição de quadros docentes e técnicos, com salários dignos. Isso é urgente e inadiável: investir em salas de aula e laboratórios, e nas condições de infra-estrutura, de todo o tipo. Por que, então, não fazer, o quanto antes? Por que segurar vagas para novos concursos públicos? Sinceramente, não entendo por que isso tudo não é assumido, pelo MEC e pela UnB, como a política; antes de qualquer outra. E qualquer outra teria passar, necessariamente, por maior participação, democracia, controvérsias. São antídotos ao pensamento único, que, embora aparentemente sem dono (“é de todos”), certamente o tem. Neste caso, são as instituições federais de ensino superior.
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Há muito que o PT perdeu seu “glamour” ideológico e programático, em favor de uma política pragmática, de resultados, de votos. Também esse é mais um elemento de aproximação com a atual reitoria da UnB. Esta, se bem que nunca demonstrou suas reais opções pedagógicas ou filosóficas, para pensar o futuro da instituição, também adere ao plano do meramente pragmático: o do dinheiro (digo, dos recursos) e do voto.
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Contra essa corrente, em nosso caso, nada é mais urgente que a luta intransigente pela garantia e melhoria da qualidade do ensino e da prática acadêmica. Os incautos que nos perdoem, mas a história não nos livraria da condenação pela omissão.
Prof de Sociologia da UnB
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O presidente Lula, em quase toda grande solenidade, numa inauguração ou num lançamento de um Programa de governo, costuma dizer que “nunca antes na história desse país”...e por aí vai em seu discurso. A bem da verdade, essa sua frase jamais se aplicaria à condução da economia. Todos nós já o sabemos. A esse respeito, a maioria dos “especialistas” acaba concluindo: “é... não há muito que inovar nessa área... numa economia globalizada... os mercados estão muito integrados... e coisa e tal...”. Muitos de nós acabamos embarcando nessa conversa fiada (em que pesem seus encantos; afinal, o próprio Ulisses, para não ser seduzido pelos cantos das sereias e sucumbir a seus encantos, precisou ser preso à proa de seu navio, diz-nos a literatura). O resultado final, somando todas as opiniões e práticas diárias, é que, desse modo, aceitando as “verdades inquestionáveis”, acabamos por consagrar o chamado “pensamento único”. Um estilo e uma lógica de argumentação, denunciada, por exemplo, por um conhecido sociólogo, Pierre Bourdieu, que morreu antes de ver o revide da sociedade. Também nada de muito novo nessa denúncia, assim também o fizera Herbert Marcuse, em sua conhecida análise sobre o “homem unidimensional”, ao apontar a hegemonia da tecnocracia, do pensamento analítico totalitário, em detrimento da dialética, e do que chamara o “pensamento negativo”.
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Nessa linha de questionamentos, expresso, aqui, minha preocupação com a forma como o REUNI foi concebido pelo MEC e vem sendo conduzido em algumas universidades públicas, entre estas a UnB.
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Primeiramente, denuncio a falácia da “fórmula salvadora” do ensino público superior, presente nos discursos oficiais a esse respeito, seja por parte do MEC, seja por parte, no nosso caso, da UnB. Também aqui o assunto ganha ares de inevitabilidade, de algo contra o qual nada se pode fazer, ou que não há nada melhor em seu lugar. Em suma, o tal do pensamento único, reeditado nas páginas da pasta da educação brasileira. Ou seja, também aqui, e não só na economia, o governo federal não pode dizer “nunca antes na história desse país”..., e falar do REUNI. Mesmo se falasse do PROUNI – aquele programa federal que transfere recursos públicos para as instituições particulares de ensino superior, na forma de bolsas de estudo para estudantes carentes (o canto de sereia do programa).
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Tanto a respeito do PROUNI, quanto a respeito do REUNI, penso que o ex-ministro Paulo Renato, do governo de FHC, assinaria, literalmente, embaixo. Vale lembrar que Paulo Renato durou bastante tempo no MEC; como também o atual ministro Fernando Haddad. Numa área historicamente conturbada, disputada, instável, do ponto de vista de quem a dirige. Tenho uma hipótese. Ambos dizem, fundamentalmente, a mesma coisa, e ambos atendem, basicamente, aos mesmos e hegemônicos interesses, os do setor privado da educação brasileira. Em se tratando da educação superior brasileira, isso é muito evidente. Basta olharmos a proposta do REUNI, sua idéia de flexibilização curricular, a de formação mais curta (bacharelados em 2 ou 3 anos), a lógica quantitativista da expansão, em detrimento da discussão da qualidade, e assim por diante. Não é preciso muita habilidade para encontrarmos essas impressionantes semelhanças entre ambas as políticas.
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Mas, se na economia o exercício da controvérsia é absolutamente necessário, pois a história é feita de movimento, de diferentes possibilidades, de contradições, como querem alguns filósofos, que diria, então, na educação, que lida com a formação dos indivíduos.
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Penso que, a esse respeito, o que está por trás desses arautos são suas inconfessáveis disposições para viabilizar os interesses do segmento privado da educação superior brasileira, às expensas de um projeto, menos inconfessável ainda, de sucateamento do segmento público. Fato semelhante ao que acabou ocorrendo, ao longo de algumas décadas, com o antigo ensino primário e secundário; antes, de excelente qualidade, no segmento público; hoje, as referências são as escolas privadas.
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A história, a meu ver, é mais ou menos a seguinte. A expansão das vagas pelo segmento das instituições privadas, num primeiro momento, cumpriu sua etapa – tendo começado com a gestão de Paulo Renato (aquela abertura indiscriminada de cursos superiores, país afora), e, agora, continuada, com o PROUNI – um esforço para socorrê-las das inadimplências. Esse ciclo se encerrara. O mercado estaria saturado; não haveria mais como expandir, por esse caminho; não haveria mais quem quisesse ou pudesse pagar por serviços tão caros (a inadimplência é grande e também a evasão), e não há bolsas suficientes para tanto mais. Restou o que chamo a fase 2: esgarçar as universidades públicas, de tão combalidas que estão, para introduzir o novo projeto expansionista. Nas condições atuais, poucas resistências poderiam oferecer, muitos supõem.
.
Mas, expandir as matrículas pelas vias das universidades públicas? Seria então uma mudança de rota do projeto anterior? Uma nova política? O PT, enfim, mostraria a que viera, no setor da educação? Não. A história é a mesma. O enfraquecimento da qualidade do ensino público, para que só reste a alternativa do setor privado. E aí, os filhos das elites, dos que mais podem economicamente, acabariam por migrar, definitivamente, para as universidades particulares. Tanto melhor para os donos das instituições privadas: “sangue novo”, gente que pode pagar, que não atrasa, que não é inadimplente. Para esses arautos, a qualidade estaria, enfim, nas mãos das particulares. O segundo ciclo estaria concluído.
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Mas que história difícil de engolir, diriam muitos. Eu confesso que não desejaria, por nada, pagar para ver tais fatos chegarem a termo. Não gostaria de fazer parte da geração que assistiu, inerte, a esse desmonte; ao que se poderia chamar, num futuro próximo, a favelização acadêmica das universidades públicas brasileiras.
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A luta é árdua. Até porque, no plano interno, em nosso caso, na Universidade de Brasília, o MEC conta com poderosos aliados. Na prática, internamente, essa política vem sendo seguida fielmente, obedecida em seus mínimos detalhes. Porém, teríamos muitas outras alternativas (e, creio, também as políticas do MEC para as universidades públicas), se assim o quiséssemos.
.
Por exemplo, começar com um grande inventário do quanto se arrecada (em todas as consultorias, cursos de especialização e serviços, os mais diversos, “rubrica a rubrica”) e apresentar, publicamente, como esse dinheiro flui, internamente, para reavaliar determinadas políticas de alocação de recursos. Da parte do MEC e da UnB, isso significaria dar um basta na farra dos CNPJs (um artifício criado para triangulações e captação de recursos de “forma mais ágil”, usando várias unidades e centros das Universidades, não somente suas fundações, em consultorias privadas, cursos de especialização e por aí vai). É preciso colocar ordem e transparência, urgentemente, nesse terreno, que acaba por favorecer os interesses privatistas internos e externos. Em segundo lugar, ou talvez antes mesmo do proposto anteriormente, que se proceda à imediata recuperação das condições de trabalho e a reposição de quadros docentes e técnicos, com salários dignos. Isso é urgente e inadiável: investir em salas de aula e laboratórios, e nas condições de infra-estrutura, de todo o tipo. Por que, então, não fazer, o quanto antes? Por que segurar vagas para novos concursos públicos? Sinceramente, não entendo por que isso tudo não é assumido, pelo MEC e pela UnB, como a política; antes de qualquer outra. E qualquer outra teria passar, necessariamente, por maior participação, democracia, controvérsias. São antídotos ao pensamento único, que, embora aparentemente sem dono (“é de todos”), certamente o tem. Neste caso, são as instituições federais de ensino superior.
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Há muito que o PT perdeu seu “glamour” ideológico e programático, em favor de uma política pragmática, de resultados, de votos. Também esse é mais um elemento de aproximação com a atual reitoria da UnB. Esta, se bem que nunca demonstrou suas reais opções pedagógicas ou filosóficas, para pensar o futuro da instituição, também adere ao plano do meramente pragmático: o do dinheiro (digo, dos recursos) e do voto.
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Contra essa corrente, em nosso caso, nada é mais urgente que a luta intransigente pela garantia e melhoria da qualidade do ensino e da prática acadêmica. Os incautos que nos perdoem, mas a história não nos livraria da condenação pela omissão.
sexta-feira, 7 de setembro de 2007
O REUNI versus os alunos de Pós-Graduação
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texto de Marcelo Mendes Disconzi,
estudante de doutorado na State University of New York at Stony Brook.
http://www.math.sunysb.edu/~disconzi/
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Resumo: Em algumas universidades federais, tem-se sugerido que alunos de pós-graduação passem a executar tarefas docentes como forma de viabilizar o aumento de vagas requerido para a participação no projeto REUNI. Um argumento recorrente em favor dessa tese é o de que um sistema com aulas ministradas por pós-graduandos já é adotado com sucesso nos EUA. Como atualmente sou estudante de doutorado nos EUA e já tive experiência como professor substituto em uma universidade federal, considero que tenho condições de fazer um julgamento acurado sobre essa proposta. Esse é o objetivo do presente texto.
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Meu objetivo aqui é fazer algumas observações referentes ao Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais - REUNI. Mais precisamente, não ao REUNI propriamente dito, mas sim à maneira pela qual algumas instituições pretendem cumprir os requisitos para a adesão ao projeto.
O REUNI foi instituído pelo decreto 6.096 de 24 de abril de 2007 e faz parte do Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE. A meta principal do programa é a universalização do acesso ao ensino superior mediante ampliação do acesso às Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), sem prejudicar - teóricamente - a qualidade do ensino e pesquisa desenvolvidos na universidade pública. As diretrizes gerais do REUNI podem ser encontradas em: http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/diretrizesreuni.pdf
Não é meu objetivo aqui discutir os méritos e deméritos gerais do projeto, tarefa que cabe –sobretudo- à comunidade acadêmica fazer. Entretanto, posso contribuir para o debate em um aspecto do programa que vem sendo discutido em alguns departamentos, a saber, a maneira pela qual os mesmos pretendem atender à elevada demanda que um aumento de vagas nas proporções sugeridas pelo REUNI irá requerer.
Alguns membros da comunidade acadêmica sugerem que o aumento da oferta de vagas pode ser realizado se parte da carga horária de ensino – predominantemente, aquela referente a cursos básicos - passe a ser responsabilidade dos alunos de pós-graduação. Os argumentos em favor de tal proposta são variados, mas um deles é recorrente e tem sido utilizado com certa leviandade; argumenta-se que tal sistema já é utilizado há muito tempo nos EUA e seu comprovado sucesso é atestado pela qualidade da pós-graduação das universidades norte-americanas. É especificamente esse ponto que quero discutir, visto que considero tal argumento falacioso. Enfatizo que não estou tentando fazer uma comparação entre os modelos universitários norte-americano e brasileiro com intuito de identificar qual deles seria “melhor”. O que me proponho é explicar por que um modelo onde os alunos executam tarefas docente funciona nos EUA. Assim, espero esclarecer que é inviável simplesmente instituir uma série de cursos sob responsabilidade de mestrandos e/ou doutorandos, ignorando-se todo o contexto que permite que tal idéia funcione nas universidades norte-americanas.
Antes de discutir sobre esse ponto, eu gostaria de esclarecer por que me sinto qualificado para tratar dessa questão, ao mesmo tempo que isso esclarece a fonte de várias afirmações feitas subsequentemente. Basicamente há duas razões.
Atualmente sou estudante de doutorado no departamento de Matemática da State Univervisty of New York at Stony Brook (ou simplesmente universidade de Stony Brook) – onde, como normalmente acontece nas universidades norte-americanas, tenho de cumprir certa carga horária de tarefas de ensino. E antes de ingressar no doutorado, fui professor substituto na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) por três semestres, lecionando sempre os cursos básicos que se pretende passar para a responsabilidade dos pós-graduandos. Portanto, tenho condições para bem julgar e comparar a tarefa de ensino desenvolvida pelos pós-graduandos nas universidades nos EUA com as pretendidas obrigações que teriam os pós-graduandos no Brasil.
Outrossim, devo mencionar que a universidade de Stony Brook apresenta altos níveis de excelência. Isso porque alguém poderia tentar contra-argumentar que os fatos que menciono abaixo não se aplicariam a universidade norte-americanas de qualidade e portanto não poderiam ser levados em conta na argumentação (nota de rodapé 1).
Também é importante ressaltar que muito do exposto abaixo tem como fonte minha experiência no campo da Matemática e talvez não seja aplicável a outras áreas, embora muitas vezes possa-se fazer as necessárias analogias. E alguns argumentos (como nos itens 3 e 4, principalmente) são completamente independentes da natureza da atividade docente.
Feitas todas essas observações, podemos comparar as atividades de ensino que cabem a um aluno de pós-graduação nos EUA com o que se sugere que seja realizado pelos alunos de mestrado e doutorado no Brasil.
1. Posição.
Antes de mais nada é preciso esclarecer porque doutorandos executam tarefas docentes nos EUA. Na maioria dos casos os alunos de pós-graduação recebem suporte financeiro por ocuparem uma posição de Teaching Assistant (TA) (a tradução seria professor assistente ou auxiliar, mas não vou fazê-la aqui pois, tal função difere diametralmente daquelas que no Brasil recebem o mesmo nome). Formalmente, o aluno é um funcionário da universidade, ficando obrigado a realizar algum tipo de atividade de ensino. Existem casos de alunos que recebem suporte financeiro através de uma bolsa de estudos, mas tais casos constituem exceções pontuais (nota de rodapé 2). Portanto, a descrição a seguir aplica-se à maioria dos alunos de pós-graduação em universidades norte-americanas.
2. Tipo de atividade.
Primeiramente, deve ser entendido que a atividade de ensino com as quais os alunos de pós-graduação estão comprometidos em universidades norte-americanas não são, em sua maioria, aulas expositivas. As disciplinas são divididas em Lecture e Recitation. A Lecture é a aula propriamente dita e fica a cargo de um professor do departamento. Os alunos de pós-graduação ficam responsáveis pela Recitation, a qual assemelha-se muito a uma monitoria e tem duração de 1 hora. A Recitation é um espaço que os alunos de graduação têm para tirar dúvidas e discutir problemas. Em geral, cada TA é responsável por duas Recitations, ou seja, dois encontros semanais de 1 hora cada.
A complexidade do conteúdo estudado varia de acordo com a disciplina, mas em geral trata-se de material bastante básico, de modo que a preparação prévia – quando necessária – é absolutamente mínima. Por exemplo, na universidade onde previamente lecionei no Brasil, os dois primeiros semestres de Cálculo cobrem o que é ensinado durante três semestres na universidade de Stony Brook. Não é necessário fazer aqui um estudo comparativo entre o conteúdo das disciplinas de graduação nos EUA de no Brasil; qualquer um interessado pode facilmente consultar (pela internet, por exemplo) as súmulas de diferentes cursos em diferentes universidades. É válido mencionar, no entanto, que o exemplo acima mencionado é bastante ilustrativo dado que, a despeito das diferenças entre as instituições, os cursos básicos tendem a apresentar certa uniformidade, independentemente da universidade (note-se no Brasil, não é diferente).
Além das Recitations, o TA deve cumprir certo número de horas semanais de atendimento extra-classe. Onde estudo, são três horas semanais e dificilmente tem-se mais do que isso em outros departamentos.
Em alguns casos, o TA também é responsável por corrigir exercícios que são indicados para serem entregues e valem pequeno percentual da nota final.
Finalmente, os TAs devem participar da correção das provas. Isso obviamente depende do número e tipo de provas aplicadas durante o semestre letivo. De maneira geral, a correção consome um turno de trabalho e o número de provas varia entre duas e três por semestre.
Assim, podemos estimar que o tempo total de trabalho requerido a um TA é algo em torno de sete horas semanais – contabilizando-se tudo o que é envolvido na atividade de ensino, desde o tempo em sala de aula até o tempo de correção de provas, exercícios extras e (quando necessário) preparação de material prévio para a aula. Vale ressaltar que nós TA não temos qualquer papel em outras partes da atividade de ensino, tais como elaboração de provas e listas de exercícios, elaboração e atualização da página do curso na internet, etc, atividades que são de inteira responsabilidade do professor responsável pela Lecture.
A situação difere drasticamente da brasileira. Antes de mais nada, o sistema brasileiro é todo calcado em aulas expositivas e/ou práticas, não havendo qualquer divisão semelhante àquela entre Lecture e Recitation que existe nas universidades norte-americanas. As disciplinas básicas nas universidades brasileiras são em geral de 4 ou 6 créditos semanais. Portanto, um aluno de pós-graduação que fosse obrigado a ministrar alguma dessas disciplinas teria algo em torno de cinco horas semanais somente em sala de aula, sem contar todas as outras tarefas relacionadas com a atividade de ensino. Tais tarefas extras não podem ser consideradas como algo que não demande esforço e tempo por parte de quem as executa. Senão, vejamos:
A preparação de uma aula de um curso de básico de Cálculo ou Álgebra Linear pode ser uma tarefa rápida para um professor experiente que já ministrou essas disciplinas várias vezes ao longo dos anos. Para um iniciante (e um aluno de pós-graduação que deve cumprir atividades de ensino é exatamente isso, um iniciante na matéria), no entanto, trata-se de uma atividade que demanda tempo. Lembro-me que quando ministrei tais cursos na UFRGS, para cada aula de aproximadamente uma hora e meia eu precisava de cerca de uma hora para prepará-la. No caso de cursos um pouco mais avançados, como Equações Diferenciais, o tempo requerido para preparar cada aula era ainda maior. Estou citando meu exemplo, mas lembro-me de que a situação de outros professores substitutos que lecionavam disciplinas similares às minhas não era diferente. Acrescente-se a isso horas de atendimento extra-classe, elaboração de provas e listas de exercícios, reuniões (no caso de disciplinas unificadas ou que possuem um regente), freqüentes imprevistos (aplicação de prova extra para alunos que adoeceram, por exemplo) e temos que o tempo total de envolvimento do pós-graduando com a disciplina que ele supostamente lecionará dificilmente pode ser menos de quatorze ou quinze horas semanais.
Talvez pode-se contra-argumentar que exagero o tempo necessário para preparação de aulas ou que sou excessivamente zeloso em tal atividade, de modo que o acima descrito não corresponderá à realidade enfrentada pela maioria dos pós-graduandos que receberem atividades de ensino. Para isso, ressalto que minhas estimativas levam em conta que as aulas (na verdade, o curso como um todo) devem ser bem preparados se é desejado manter a reconhecida qualidade dos cursos ministrados nas universidades federais. Obviamente, alguém pode tentar reduzir ao máximo o envolvimento extra-classe requerido com certa atividade de ensino simplesmente não preparando adequadamente as aulas, faltando ao horário de atendimento, etc. Mas é óbvio o prejuízo para a qualidade do ensino e por conseqüência da instituição se tal tipo de atitude não é coibida. Vale lembrar que o texto com as diretrizes do REUNI frisa várias vezes que não se pretende um aumento de vagas com redução da qualidade.
Isso posto, parece provável que se os mestrandos e doutorandos forem obrigados a lecionar disciplinas de graduação, encontrar-se-ão então com o seguinte dilema: ou (i) manter o curso que ensinam em um patamar aceitável de qualidade, com conseqüente e significativa redução do tempo dedicado à atividade de pós-graduação como um todo (pesquisa, elaboração da tese, estudo para as disciplinas) – o que acarretaria decréscimo na qualidade do trabalho desse aluno (e a longo prazo, decréscimo na qualidade da instituição) ou (ii) dedicar-se menos à atividade docente de modo que o trabalho de pós-graduação não seja afetado, acarretando uma queda de qualidade do ensino. Portanto, seja qual for a opção escolhida pelos futuros “alunos-professores”, o prejuízo para as universidades federais parece difícil de ser evitado caso a medida em questão seja de fato implementada.
3. Tempo de duração da pós-graduação realizada com suporte financeiro.
Na maioria dos programas de pós-graduação dos EUA não existe um prazo pré-fixado para a duração do doutorado e (por extensão) do contrato de TA. Geralmente, a permanência do aluno e continuidade do suporte financeiro devem ser renovados anualmente e ficam condicionados ao desempenho do pós-graduando; entendendo-se aqui desempenho tanto em relação às atividades de aluno como às de TA. Isso possibilita maior maleabilidade, de modo que não há um prazo pré-determinado para o encerramento suporte financeiro fornecido ao pós-graduando.
Em média, o doutorado é realizado em cinco anos, mas são comuns ocasiões em que alunos o concluem em seis anos e não raros os casos de doutorados concluídos após sete ou oito anos.
Assim sendo, qualquer eventual atraso no trabalho de pós-graduação que possa ser ocasionado pela função de TA é compensado pela contínua renovação do contrato, renovação essa que, como mencionado no parágrafo anterior, pode ser bem superior ao tradicional período de cinco anos.
A bolsa de mestrado no Brasil tem duração de dois anos e a de doutorado quatro anos. Embora a permanência do mestrando ou doutorando no programa possa ser prorrogada, o mesmo não é verdade em relação à bolsa. Segue-se que o fator tempo passa a ter primordial importância e qualquer medida que venha a diminuir o tempo disponível para o trabalho de pós-graduação deve ser tomada com receio.
Comparando-se então o sistema de financiamento e continuidade dos programas de pós-graduação nos EUA e no Brasil, fica patente que é irrealista o argumento de que os pós-graduandos brasileiros poderiam arcar com tarefas docentes simplesmente porque os (alunos) norte-americanos assim o fazem, e isso sem prejuízo para o trabalho de pesquisa.
Resumindo-se, pode-se dizer que a execução de tarefas docentes por alunos de pós-graduação nos EUA repousa fortemente no fato de que o doutorado pode ser estendido para mais de quatro anos sem perda de suporte financeiro, política que é completamente inexistente no Brasil.
É importante ressaltar que o argumento acima exposto é independente do que foi dito no item 2. Por mais que se discorde em relação à quantificação do tempo necessário para a execução das tarefas docentes (conforme estimado no item 2), é inegável que certo tempo é requerido por parte de seu executor. E também é óbvio que tal quantidade é no mínimo igual ao número de horas-aula que devem ser ministradas (nota de rodapé 3). Isso, dentro do contexto de impossibilidade de prorrogação da bolsa de estudos para além de quatro anos, faz com que qualquer tarefa que requeira tempo extra do doutorando tenha efeito nocivo sobre o funcionamento da pós-graduação. Note que mesmo que o atraso ocasionado pela tarefa docente seja pequeno – digamos, alguns meses – ele já pode trazer muitos prejuízos para a pesquisa desenvolvida pelo aluno. De fato, pressionados pela condição financeira – isto é, pela possibilidade de perderem a remuneração antes de defender a tese - muitos alunos optarão por doutorarem-se sem terem obtido os resultados almejados, resultados esses que talvez pudessem ser obtidos não fosse pelo tempo consumido com o ensino. O que, em outras palavras, significa a produção de teses menos consistentes e de menor importância acadêmica.
4. Valores das bolsas.
Muitas universidades norte-americanas não remuneram bem seus TAs. No entanto, comparando-se os valores com as bolsas no Brasil, e contextualizando-se o custo de vida dos respectivos países, fica claro, em minha opinião (nota de rodapé 4), que os pós-graduandos brasileiros são muito mal remunerados.
É importante mencionar que existem benefícios que os TAs recebem que são uma forma de pagamento indireta, o principal e mais importante deles sendo o plano de saúde. Como se sabe, os planos de saúde são muito caros nos EUA (mesmo para padrões americanos). O fato das universidades proporcionarem um plano de saúde para os pós-graduandos também deve ser levando em conta quando se computa a diferença entre o que é pago a mestrandos e doutorandos no Brasil e nos EUA.
Por fim, alunos de doutorado que exercem função de TA não pagam a universidade. É discutível se isso também deve ser levado em conta na hora de comparar valores, dado que a pós-graduação na maioria das universidades federais brasileiras é gratuita. Todavia, é preciso lembrar que quando um aluno brasileiro é enviado para estudar nos EUA com uma bolsa CAPES ou CNPq, muitas vezes essas agências arcam com o custeio do curso (nota de rodapé 5), o que sugere, em minha opinião, que essa valor também deve ser incluído no cálculo.
Levanto esse ponto pois acredito que antes de pensarem em sobrecarregar nosso futuros doutores com tarefas docentes, muitos professores deveriam refletir acerca da sub-valorização que é dada aos estudantes de pós-graduação no Brasil. Quando fala-se em ampliar a carga horária dos professores das universidades federais, professores e pesquisadores de diferentes áreas e ideologias políticas respondem em coro (e corretamente, em minha opinião) que isso iria prejudicar a reconhecida qualidade da pesquisa e do ensino desenvolvidos na universidade pública. Quando estão insatisfeitos com seus salários, deflagram greves e usam de todos os meios de pressão política de que dispõem para obterem reajustes salariais (mais uma vez, corretamente, em minha opinião).
Alunos de pós-graduação, por outro lado, não podem fazer greve e têm pouco ou nenhum poder de barganha frente a políticos em Brasília. E se é verdade que sobrecarregar professores e pesquisadores implica queda de qualidade no ensino e pesquisa, exatamente a mesma conclusão aplica-se quando é pensado em se sobrecarregar os mestrandos e doutorandos. Negá-lo seria equivalente a dizer que os pós-graduandos não executam papel relevante no desenvolvimento da pesquisa realizada no Brasil. Alguém que aceite essa tese sobre a importância dos pós-graduandos na pesquisa é fortemente recomendado a olhar mais atentamente o processo de pesquisa desenvolvido nas universidades (nota de rodapé 6).
No momento em que escrevo, tramita na Câmara dos Deputados o projeto de lei 2315/2003, o qual tem intenção de vincular os valores das bolsas de pós-graduação ao salário dos professores das universidades federais (ver projeto no site http://www2.camara.gov.br/proposicoes ). Se isso ocorrer, pode haver um aumento significativo nos valores pagos a mestrandos e doutorandos. Obviamente, isso é justo e desejável, e talvez invalidasse o argumento de que há sub-valorização dos pós-graduandos. No entanto, os argumentos dos itens 2 e 3 persistiriam: os alunos continuariam sob a pressão do prazo de quatro anos, de modo que atividades paralelas de ensino colocariam em cheque a qualidade do trabalho desenvolvido.
Espero que as idéias aqui expostas sejam úteis para o debate em torno do REUNI, o qual é apenas uma peça dentro do debate acerca do modelo de universidade que queremos para o Brasil. A sociedade brasileira tem uma série de desafios pela frente e as universidades têm um papel importante na elaboração de um projeto para a nação. Mas isso deve ser feito de forma democrática, dando-se voz para todos os agentes que contribuem para o crescimento da universidade brasileira.
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Notas de rodapé:
1: A qualidade do departamento de Matemática de Stony Brook pode ser atestada por qualquer pesquisador que tenha acompanhado os principais desenvolvimentos na pesquisa em Matemática nas últimas décadas; sem mencionar o fato de que o departamento possui um madalhista Fields em seu corpo docente. A universidade em geral também apresenta níveis de excelência. Por exemplo, no departamento de Física há um ganhador do premio Nobel (hoje professor emérito) e um ganhador do premio Dirac. O departamento de Economia promove anualmente a Conferência Internacional em Teoria de Jogos.
2: Em departamentos que tradicionalmente têm melhor situação financeira (engenharias, por exemplo) muitas vezes os alunos são pagos diretamente pelo orientador, através dos grants. Entretanto, isso costuma acontecer somente a partir do final do primeiro ou segundo ano. Até lá o pós-graduando ocupa uma função de TA.
3: Ou seja, mesmo considerando-se que o trabalho extra-classe seja mantido em um patamar mínimo, de modo que possa ser considerado irrelevante – o que me parece fantasioso, como tentei explicar na primeira parte do texto –, ninguém pode negar que se um aluno de pós-graduação fica encarregado de, digamos, uma disciplina de seis horas semanais, o tempo disponível para o trabalho em pesquisa/estudo fica reduzido em seis horas.
4: Enfatizo que não estou baseando essa assertiva em nenhum estudo técnico, e sim na comparação direta e empírica entre o padrão de vida que eu e alguns outros brasileiros que estudam aqui nos EUA temos devido à função de TA com o padrão de vida que nossos amigos levam no Brasil vivendo com a bolsa de doutorado.
5: Digo “muitas vezes” pois há casos em que acordos bilaterais isentam o pagamento da universidade, e em tais casos as agências de fomento arcam apenas com despesas tais como o plano de saúde.
6: Talvez argumente-se que muitos alunos de pós-graduação em nada contribuem para a universidade (e para sociedade, por extensão), e portanto seriam mais úteis dando aula. O mesmo pode ser dito de vários professores: não desenvolvem pesquisa, não lecionam aulas de qualidade, não participam de comissões, enfim, não têm qualquer envolvimento com a vida acadêmica. E são mais bem pagos do que os pós-graduandos, além de gozarem de estabilidade no emprego. Por que tais professores não poderiam arcar com a carga extra de ensino?
texto de Marcelo Mendes Disconzi,
estudante de doutorado na State University of New York at Stony Brook.
http://www.math.sunysb.edu/~disconzi/
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Resumo: Em algumas universidades federais, tem-se sugerido que alunos de pós-graduação passem a executar tarefas docentes como forma de viabilizar o aumento de vagas requerido para a participação no projeto REUNI. Um argumento recorrente em favor dessa tese é o de que um sistema com aulas ministradas por pós-graduandos já é adotado com sucesso nos EUA. Como atualmente sou estudante de doutorado nos EUA e já tive experiência como professor substituto em uma universidade federal, considero que tenho condições de fazer um julgamento acurado sobre essa proposta. Esse é o objetivo do presente texto.
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Meu objetivo aqui é fazer algumas observações referentes ao Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais - REUNI. Mais precisamente, não ao REUNI propriamente dito, mas sim à maneira pela qual algumas instituições pretendem cumprir os requisitos para a adesão ao projeto.
O REUNI foi instituído pelo decreto 6.096 de 24 de abril de 2007 e faz parte do Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE. A meta principal do programa é a universalização do acesso ao ensino superior mediante ampliação do acesso às Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), sem prejudicar - teóricamente - a qualidade do ensino e pesquisa desenvolvidos na universidade pública. As diretrizes gerais do REUNI podem ser encontradas em: http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/diretrizesreuni.pdf
Não é meu objetivo aqui discutir os méritos e deméritos gerais do projeto, tarefa que cabe –sobretudo- à comunidade acadêmica fazer. Entretanto, posso contribuir para o debate em um aspecto do programa que vem sendo discutido em alguns departamentos, a saber, a maneira pela qual os mesmos pretendem atender à elevada demanda que um aumento de vagas nas proporções sugeridas pelo REUNI irá requerer.
Alguns membros da comunidade acadêmica sugerem que o aumento da oferta de vagas pode ser realizado se parte da carga horária de ensino – predominantemente, aquela referente a cursos básicos - passe a ser responsabilidade dos alunos de pós-graduação. Os argumentos em favor de tal proposta são variados, mas um deles é recorrente e tem sido utilizado com certa leviandade; argumenta-se que tal sistema já é utilizado há muito tempo nos EUA e seu comprovado sucesso é atestado pela qualidade da pós-graduação das universidades norte-americanas. É especificamente esse ponto que quero discutir, visto que considero tal argumento falacioso. Enfatizo que não estou tentando fazer uma comparação entre os modelos universitários norte-americano e brasileiro com intuito de identificar qual deles seria “melhor”. O que me proponho é explicar por que um modelo onde os alunos executam tarefas docente funciona nos EUA. Assim, espero esclarecer que é inviável simplesmente instituir uma série de cursos sob responsabilidade de mestrandos e/ou doutorandos, ignorando-se todo o contexto que permite que tal idéia funcione nas universidades norte-americanas.
Antes de discutir sobre esse ponto, eu gostaria de esclarecer por que me sinto qualificado para tratar dessa questão, ao mesmo tempo que isso esclarece a fonte de várias afirmações feitas subsequentemente. Basicamente há duas razões.
Atualmente sou estudante de doutorado no departamento de Matemática da State Univervisty of New York at Stony Brook (ou simplesmente universidade de Stony Brook) – onde, como normalmente acontece nas universidades norte-americanas, tenho de cumprir certa carga horária de tarefas de ensino. E antes de ingressar no doutorado, fui professor substituto na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) por três semestres, lecionando sempre os cursos básicos que se pretende passar para a responsabilidade dos pós-graduandos. Portanto, tenho condições para bem julgar e comparar a tarefa de ensino desenvolvida pelos pós-graduandos nas universidades nos EUA com as pretendidas obrigações que teriam os pós-graduandos no Brasil.
Outrossim, devo mencionar que a universidade de Stony Brook apresenta altos níveis de excelência. Isso porque alguém poderia tentar contra-argumentar que os fatos que menciono abaixo não se aplicariam a universidade norte-americanas de qualidade e portanto não poderiam ser levados em conta na argumentação (nota de rodapé 1).
Também é importante ressaltar que muito do exposto abaixo tem como fonte minha experiência no campo da Matemática e talvez não seja aplicável a outras áreas, embora muitas vezes possa-se fazer as necessárias analogias. E alguns argumentos (como nos itens 3 e 4, principalmente) são completamente independentes da natureza da atividade docente.
Feitas todas essas observações, podemos comparar as atividades de ensino que cabem a um aluno de pós-graduação nos EUA com o que se sugere que seja realizado pelos alunos de mestrado e doutorado no Brasil.
1. Posição.
Antes de mais nada é preciso esclarecer porque doutorandos executam tarefas docentes nos EUA. Na maioria dos casos os alunos de pós-graduação recebem suporte financeiro por ocuparem uma posição de Teaching Assistant (TA) (a tradução seria professor assistente ou auxiliar, mas não vou fazê-la aqui pois, tal função difere diametralmente daquelas que no Brasil recebem o mesmo nome). Formalmente, o aluno é um funcionário da universidade, ficando obrigado a realizar algum tipo de atividade de ensino. Existem casos de alunos que recebem suporte financeiro através de uma bolsa de estudos, mas tais casos constituem exceções pontuais (nota de rodapé 2). Portanto, a descrição a seguir aplica-se à maioria dos alunos de pós-graduação em universidades norte-americanas.
2. Tipo de atividade.
Primeiramente, deve ser entendido que a atividade de ensino com as quais os alunos de pós-graduação estão comprometidos em universidades norte-americanas não são, em sua maioria, aulas expositivas. As disciplinas são divididas em Lecture e Recitation. A Lecture é a aula propriamente dita e fica a cargo de um professor do departamento. Os alunos de pós-graduação ficam responsáveis pela Recitation, a qual assemelha-se muito a uma monitoria e tem duração de 1 hora. A Recitation é um espaço que os alunos de graduação têm para tirar dúvidas e discutir problemas. Em geral, cada TA é responsável por duas Recitations, ou seja, dois encontros semanais de 1 hora cada.
A complexidade do conteúdo estudado varia de acordo com a disciplina, mas em geral trata-se de material bastante básico, de modo que a preparação prévia – quando necessária – é absolutamente mínima. Por exemplo, na universidade onde previamente lecionei no Brasil, os dois primeiros semestres de Cálculo cobrem o que é ensinado durante três semestres na universidade de Stony Brook. Não é necessário fazer aqui um estudo comparativo entre o conteúdo das disciplinas de graduação nos EUA de no Brasil; qualquer um interessado pode facilmente consultar (pela internet, por exemplo) as súmulas de diferentes cursos em diferentes universidades. É válido mencionar, no entanto, que o exemplo acima mencionado é bastante ilustrativo dado que, a despeito das diferenças entre as instituições, os cursos básicos tendem a apresentar certa uniformidade, independentemente da universidade (note-se no Brasil, não é diferente).
Além das Recitations, o TA deve cumprir certo número de horas semanais de atendimento extra-classe. Onde estudo, são três horas semanais e dificilmente tem-se mais do que isso em outros departamentos.
Em alguns casos, o TA também é responsável por corrigir exercícios que são indicados para serem entregues e valem pequeno percentual da nota final.
Finalmente, os TAs devem participar da correção das provas. Isso obviamente depende do número e tipo de provas aplicadas durante o semestre letivo. De maneira geral, a correção consome um turno de trabalho e o número de provas varia entre duas e três por semestre.
Assim, podemos estimar que o tempo total de trabalho requerido a um TA é algo em torno de sete horas semanais – contabilizando-se tudo o que é envolvido na atividade de ensino, desde o tempo em sala de aula até o tempo de correção de provas, exercícios extras e (quando necessário) preparação de material prévio para a aula. Vale ressaltar que nós TA não temos qualquer papel em outras partes da atividade de ensino, tais como elaboração de provas e listas de exercícios, elaboração e atualização da página do curso na internet, etc, atividades que são de inteira responsabilidade do professor responsável pela Lecture.
A situação difere drasticamente da brasileira. Antes de mais nada, o sistema brasileiro é todo calcado em aulas expositivas e/ou práticas, não havendo qualquer divisão semelhante àquela entre Lecture e Recitation que existe nas universidades norte-americanas. As disciplinas básicas nas universidades brasileiras são em geral de 4 ou 6 créditos semanais. Portanto, um aluno de pós-graduação que fosse obrigado a ministrar alguma dessas disciplinas teria algo em torno de cinco horas semanais somente em sala de aula, sem contar todas as outras tarefas relacionadas com a atividade de ensino. Tais tarefas extras não podem ser consideradas como algo que não demande esforço e tempo por parte de quem as executa. Senão, vejamos:
A preparação de uma aula de um curso de básico de Cálculo ou Álgebra Linear pode ser uma tarefa rápida para um professor experiente que já ministrou essas disciplinas várias vezes ao longo dos anos. Para um iniciante (e um aluno de pós-graduação que deve cumprir atividades de ensino é exatamente isso, um iniciante na matéria), no entanto, trata-se de uma atividade que demanda tempo. Lembro-me que quando ministrei tais cursos na UFRGS, para cada aula de aproximadamente uma hora e meia eu precisava de cerca de uma hora para prepará-la. No caso de cursos um pouco mais avançados, como Equações Diferenciais, o tempo requerido para preparar cada aula era ainda maior. Estou citando meu exemplo, mas lembro-me de que a situação de outros professores substitutos que lecionavam disciplinas similares às minhas não era diferente. Acrescente-se a isso horas de atendimento extra-classe, elaboração de provas e listas de exercícios, reuniões (no caso de disciplinas unificadas ou que possuem um regente), freqüentes imprevistos (aplicação de prova extra para alunos que adoeceram, por exemplo) e temos que o tempo total de envolvimento do pós-graduando com a disciplina que ele supostamente lecionará dificilmente pode ser menos de quatorze ou quinze horas semanais.
Talvez pode-se contra-argumentar que exagero o tempo necessário para preparação de aulas ou que sou excessivamente zeloso em tal atividade, de modo que o acima descrito não corresponderá à realidade enfrentada pela maioria dos pós-graduandos que receberem atividades de ensino. Para isso, ressalto que minhas estimativas levam em conta que as aulas (na verdade, o curso como um todo) devem ser bem preparados se é desejado manter a reconhecida qualidade dos cursos ministrados nas universidades federais. Obviamente, alguém pode tentar reduzir ao máximo o envolvimento extra-classe requerido com certa atividade de ensino simplesmente não preparando adequadamente as aulas, faltando ao horário de atendimento, etc. Mas é óbvio o prejuízo para a qualidade do ensino e por conseqüência da instituição se tal tipo de atitude não é coibida. Vale lembrar que o texto com as diretrizes do REUNI frisa várias vezes que não se pretende um aumento de vagas com redução da qualidade.
Isso posto, parece provável que se os mestrandos e doutorandos forem obrigados a lecionar disciplinas de graduação, encontrar-se-ão então com o seguinte dilema: ou (i) manter o curso que ensinam em um patamar aceitável de qualidade, com conseqüente e significativa redução do tempo dedicado à atividade de pós-graduação como um todo (pesquisa, elaboração da tese, estudo para as disciplinas) – o que acarretaria decréscimo na qualidade do trabalho desse aluno (e a longo prazo, decréscimo na qualidade da instituição) ou (ii) dedicar-se menos à atividade docente de modo que o trabalho de pós-graduação não seja afetado, acarretando uma queda de qualidade do ensino. Portanto, seja qual for a opção escolhida pelos futuros “alunos-professores”, o prejuízo para as universidades federais parece difícil de ser evitado caso a medida em questão seja de fato implementada.
3. Tempo de duração da pós-graduação realizada com suporte financeiro.
Na maioria dos programas de pós-graduação dos EUA não existe um prazo pré-fixado para a duração do doutorado e (por extensão) do contrato de TA. Geralmente, a permanência do aluno e continuidade do suporte financeiro devem ser renovados anualmente e ficam condicionados ao desempenho do pós-graduando; entendendo-se aqui desempenho tanto em relação às atividades de aluno como às de TA. Isso possibilita maior maleabilidade, de modo que não há um prazo pré-determinado para o encerramento suporte financeiro fornecido ao pós-graduando.
Em média, o doutorado é realizado em cinco anos, mas são comuns ocasiões em que alunos o concluem em seis anos e não raros os casos de doutorados concluídos após sete ou oito anos.
Assim sendo, qualquer eventual atraso no trabalho de pós-graduação que possa ser ocasionado pela função de TA é compensado pela contínua renovação do contrato, renovação essa que, como mencionado no parágrafo anterior, pode ser bem superior ao tradicional período de cinco anos.
A bolsa de mestrado no Brasil tem duração de dois anos e a de doutorado quatro anos. Embora a permanência do mestrando ou doutorando no programa possa ser prorrogada, o mesmo não é verdade em relação à bolsa. Segue-se que o fator tempo passa a ter primordial importância e qualquer medida que venha a diminuir o tempo disponível para o trabalho de pós-graduação deve ser tomada com receio.
Comparando-se então o sistema de financiamento e continuidade dos programas de pós-graduação nos EUA e no Brasil, fica patente que é irrealista o argumento de que os pós-graduandos brasileiros poderiam arcar com tarefas docentes simplesmente porque os (alunos) norte-americanos assim o fazem, e isso sem prejuízo para o trabalho de pesquisa.
Resumindo-se, pode-se dizer que a execução de tarefas docentes por alunos de pós-graduação nos EUA repousa fortemente no fato de que o doutorado pode ser estendido para mais de quatro anos sem perda de suporte financeiro, política que é completamente inexistente no Brasil.
É importante ressaltar que o argumento acima exposto é independente do que foi dito no item 2. Por mais que se discorde em relação à quantificação do tempo necessário para a execução das tarefas docentes (conforme estimado no item 2), é inegável que certo tempo é requerido por parte de seu executor. E também é óbvio que tal quantidade é no mínimo igual ao número de horas-aula que devem ser ministradas (nota de rodapé 3). Isso, dentro do contexto de impossibilidade de prorrogação da bolsa de estudos para além de quatro anos, faz com que qualquer tarefa que requeira tempo extra do doutorando tenha efeito nocivo sobre o funcionamento da pós-graduação. Note que mesmo que o atraso ocasionado pela tarefa docente seja pequeno – digamos, alguns meses – ele já pode trazer muitos prejuízos para a pesquisa desenvolvida pelo aluno. De fato, pressionados pela condição financeira – isto é, pela possibilidade de perderem a remuneração antes de defender a tese - muitos alunos optarão por doutorarem-se sem terem obtido os resultados almejados, resultados esses que talvez pudessem ser obtidos não fosse pelo tempo consumido com o ensino. O que, em outras palavras, significa a produção de teses menos consistentes e de menor importância acadêmica.
4. Valores das bolsas.
Muitas universidades norte-americanas não remuneram bem seus TAs. No entanto, comparando-se os valores com as bolsas no Brasil, e contextualizando-se o custo de vida dos respectivos países, fica claro, em minha opinião (nota de rodapé 4), que os pós-graduandos brasileiros são muito mal remunerados.
É importante mencionar que existem benefícios que os TAs recebem que são uma forma de pagamento indireta, o principal e mais importante deles sendo o plano de saúde. Como se sabe, os planos de saúde são muito caros nos EUA (mesmo para padrões americanos). O fato das universidades proporcionarem um plano de saúde para os pós-graduandos também deve ser levando em conta quando se computa a diferença entre o que é pago a mestrandos e doutorandos no Brasil e nos EUA.
Por fim, alunos de doutorado que exercem função de TA não pagam a universidade. É discutível se isso também deve ser levado em conta na hora de comparar valores, dado que a pós-graduação na maioria das universidades federais brasileiras é gratuita. Todavia, é preciso lembrar que quando um aluno brasileiro é enviado para estudar nos EUA com uma bolsa CAPES ou CNPq, muitas vezes essas agências arcam com o custeio do curso (nota de rodapé 5), o que sugere, em minha opinião, que essa valor também deve ser incluído no cálculo.
Levanto esse ponto pois acredito que antes de pensarem em sobrecarregar nosso futuros doutores com tarefas docentes, muitos professores deveriam refletir acerca da sub-valorização que é dada aos estudantes de pós-graduação no Brasil. Quando fala-se em ampliar a carga horária dos professores das universidades federais, professores e pesquisadores de diferentes áreas e ideologias políticas respondem em coro (e corretamente, em minha opinião) que isso iria prejudicar a reconhecida qualidade da pesquisa e do ensino desenvolvidos na universidade pública. Quando estão insatisfeitos com seus salários, deflagram greves e usam de todos os meios de pressão política de que dispõem para obterem reajustes salariais (mais uma vez, corretamente, em minha opinião).
Alunos de pós-graduação, por outro lado, não podem fazer greve e têm pouco ou nenhum poder de barganha frente a políticos em Brasília. E se é verdade que sobrecarregar professores e pesquisadores implica queda de qualidade no ensino e pesquisa, exatamente a mesma conclusão aplica-se quando é pensado em se sobrecarregar os mestrandos e doutorandos. Negá-lo seria equivalente a dizer que os pós-graduandos não executam papel relevante no desenvolvimento da pesquisa realizada no Brasil. Alguém que aceite essa tese sobre a importância dos pós-graduandos na pesquisa é fortemente recomendado a olhar mais atentamente o processo de pesquisa desenvolvido nas universidades (nota de rodapé 6).
No momento em que escrevo, tramita na Câmara dos Deputados o projeto de lei 2315/2003, o qual tem intenção de vincular os valores das bolsas de pós-graduação ao salário dos professores das universidades federais (ver projeto no site http://www2.camara.gov.br/proposicoes ). Se isso ocorrer, pode haver um aumento significativo nos valores pagos a mestrandos e doutorandos. Obviamente, isso é justo e desejável, e talvez invalidasse o argumento de que há sub-valorização dos pós-graduandos. No entanto, os argumentos dos itens 2 e 3 persistiriam: os alunos continuariam sob a pressão do prazo de quatro anos, de modo que atividades paralelas de ensino colocariam em cheque a qualidade do trabalho desenvolvido.
Espero que as idéias aqui expostas sejam úteis para o debate em torno do REUNI, o qual é apenas uma peça dentro do debate acerca do modelo de universidade que queremos para o Brasil. A sociedade brasileira tem uma série de desafios pela frente e as universidades têm um papel importante na elaboração de um projeto para a nação. Mas isso deve ser feito de forma democrática, dando-se voz para todos os agentes que contribuem para o crescimento da universidade brasileira.
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Notas de rodapé:
1: A qualidade do departamento de Matemática de Stony Brook pode ser atestada por qualquer pesquisador que tenha acompanhado os principais desenvolvimentos na pesquisa em Matemática nas últimas décadas; sem mencionar o fato de que o departamento possui um madalhista Fields em seu corpo docente. A universidade em geral também apresenta níveis de excelência. Por exemplo, no departamento de Física há um ganhador do premio Nobel (hoje professor emérito) e um ganhador do premio Dirac. O departamento de Economia promove anualmente a Conferência Internacional em Teoria de Jogos.
2: Em departamentos que tradicionalmente têm melhor situação financeira (engenharias, por exemplo) muitas vezes os alunos são pagos diretamente pelo orientador, através dos grants. Entretanto, isso costuma acontecer somente a partir do final do primeiro ou segundo ano. Até lá o pós-graduando ocupa uma função de TA.
3: Ou seja, mesmo considerando-se que o trabalho extra-classe seja mantido em um patamar mínimo, de modo que possa ser considerado irrelevante – o que me parece fantasioso, como tentei explicar na primeira parte do texto –, ninguém pode negar que se um aluno de pós-graduação fica encarregado de, digamos, uma disciplina de seis horas semanais, o tempo disponível para o trabalho em pesquisa/estudo fica reduzido em seis horas.
4: Enfatizo que não estou baseando essa assertiva em nenhum estudo técnico, e sim na comparação direta e empírica entre o padrão de vida que eu e alguns outros brasileiros que estudam aqui nos EUA temos devido à função de TA com o padrão de vida que nossos amigos levam no Brasil vivendo com a bolsa de doutorado.
5: Digo “muitas vezes” pois há casos em que acordos bilaterais isentam o pagamento da universidade, e em tais casos as agências de fomento arcam apenas com despesas tais como o plano de saúde.
6: Talvez argumente-se que muitos alunos de pós-graduação em nada contribuem para a universidade (e para sociedade, por extensão), e portanto seriam mais úteis dando aula. O mesmo pode ser dito de vários professores: não desenvolvem pesquisa, não lecionam aulas de qualidade, não participam de comissões, enfim, não têm qualquer envolvimento com a vida acadêmica. E são mais bem pagos do que os pós-graduandos, além de gozarem de estabilidade no emprego. Por que tais professores não poderiam arcar com a carga extra de ensino?
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